quarta-feira, 29 de outubro de 2014

FORA DO EIXO


Por Zulu Araújo

Como a maioria dos brasileiros, creio eu, vivi, senti e respirei eleições nos últimos quatro meses. Como um bom baiano, retornei a minha terra e participei ativamente do processo eleitoral com o objetivo de dar minha contribuição para a melhoria das condições de vida do nosso povo. No primeiro momento estive alinhado com o candidato que considerava a alternativa de futuro para o país – Eduardo Campos – que foi abduzido tragicamente pelas forças da natureza no meio da campanha e alterou substancialmente (para o bem ou para o mal) os rumos de uma campanha eleitoral que se mostrava, àquele momento, das mais instigantes e desafiadoras. O resto, todo mundo já sabe de có e salteado, o que aconteceu, assim como os articulistas/especialistas/cientistas políticos de plantão já fizeram todas as análises possíveis e impossíveis sobre o fato. Desejo no entanto, tratar aqui de um aspecto da campanha eleitoral que me chamou a atenção e que não vi, até o presente momento, abordada com a devida profundidade – a derrocada de praticamente todas as lideranças da chamada representação negra no parlamento brasileiro. 

Praticamente todas as principais lideranças do movimento negro brasileiro ou a ele ligado, perderam as eleições parlamentares em 2014, tanto no plano estadual quanto no federal. Cito alguns deles para refrescar a memória: Netinho de Paula (ex-secretário municipal da promoção da igualdade) e Janete Pietá (deputada federal), em São Paulo, Edson Santos (Ex-Ministro da Seppir e deputado federal), no Rio de Janeiro, Domingos Dutra (deputado federal) no Maranhão e Luiz Alberto (deputado federal) na Bahia. O caso da Bahia chama a atenção, pela extensão do estrago, assim como pela dimensão simbólica que o estado possui no campo das lutas de combate ao racismo e pela promoção da igualdade racial, pois além da perda do mandato de deputado federal, também naufragaram nas eleições parlamentares todos os candidatos que se apresentaram como representantes do movimento negro local. Segue para análise a extensa lista dos mais expressivos: Luizlinda Valois (primeira juíza negra da Bahia), Olívia Santana (ex-secretaria de educação de Salvador), Gilmar Santiago e Luiz Carlos Suíca (vereadores de Salvador), Bira Coroa (deputado estadual), Elias Sampaio (ex-secretário estadual da promoção da igualdade). Convenhamos, é derrota demais para uma eleição só. 

Acredito que estes resultados devem ao menos, fazer com que as atuais lideranças do movimento negro brasileiro e em particular as da Bahia, dêem uma parada para pensar e reflitam sobre o que está de fato ocorrendo com o trabalho político desenvolvido até agora, pois o resultado, ao menos do ponto de vista eleitoral, foi catastrófico. Se é verdade que alcançamos vitórias importantes no campo das ações afirmativas, a exemplo das cotas para negros no ensino superior, a introdução da lei 10.639 na grade curricular do ensino fundamental e o reconhecimento das terras remanescentes de quilombos, também é verdade que há muito tempo a agenda do movimento negro não se renova e que a maioria das suas lideranças tem se contentado com o discurso fácil da denúncia ou constatação do racismo institucional ou social existente no Brasil. Esta postura "discursiva radical" que agrada aos ouvidos de um pequeno contingente de aguerridos militantes incrustados na máquina pública, pelo visto, não tem sensibilizado a grande maioria da população negra brasileira que continua sofrendo as agruras e os horrores da violenta discriminação praticada em nossa sociedade. 

Os dados elencados nos últimos anos pelo Mapa da Violência no Brasil, coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, talvez nos dê uma pista da enorme distância entre o discurso destas lideranças negras e a realidade cotidiana da população negra brasileira, em particular sua juventude, no enfrentamento diário da discriminação. Segundo o referido Mapa no período de 2002 a 2012, enquanto "O número de homicídios de jovens brancos cai 32,3%, e dos jovens negros aumenta 32,4%". Traduzindo em miúdos, ainda segundo o Mapa, "o índice de vitimização de jovens negros, que em 2002 era de 79,9, sobe para 168,6: para cada jovem branco que morre assassinado, morrem 2,7 jovens negros.". Enquanto isto, nas últimas eleições, boa parte das nossas lideranças estavam alinhadas politicamente com aqueles que defendiam a redução da maioridade penal e a criação de Batalhão de Operações Especiais (BOPE), como mecanismos de solução para esta verdadeira epidemia que assola o país. Ou seja, enquanto a classe média negra adentra as universidades (com justa razão), à juventude pobre e negra é indicado o caminho do cárcere ou do extermínio. 

Enfim, ao meu ver, o que resultado eleitoral está indicando é: Sem que o movimento negro brasileiro constitua uma nova agenda política, que contenha temas de real interesse da comunidade negra, a exemplo do combate a violência na juventude; Sem que reposicione o seu discurso e busque alianças, de forma ampla, com os demais setores políticos e movimentos sociais; Sem que sejam reduzidas as práticas autoritárias e introduzidas formas democráticas na relação destas lideranças com a sociedade, dificilmente teremos sucesso naquilo que é essencial para mudar as vidas das pessoas, sejam ela pretas, brancas ou amarelas – a representação política nas esferas de poder. 

Axé! 

Toca a zabumba que a terra é nossa !


Fonte: Terramagazine

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