Na noite de terça-feira, no debate da tevê Bandeirantes, a campanha presidencial havia chegado ao pântano. Sob refletores, Dilma e Aécio dedicaram-se a jogar lama um no outro. Na noite desta quarta, num comício nos fundões do Pará, Lula arrastou a disputa para a sarjeta. Insinuou que, eleito, Aécio pode instalar em Brasília uma Presidência movida a álcool.
Num desses surtos de loquacidade que costuma acometê-lo sempre que entra em contato com um microfone e uma plateia, Lula disse o seguinte: “Vi esses dias, no debate da TV, um candidato dizendo que seu governo era da decência e da competência. Mas eu pergunto: que decência e competência se, às 3 horas da manhã, ele foi parado em uma rua no Rio de Janeiro e se recusou a soprar um bafômetro para dizer se tinha bebido ou não?''
O morubixaba petista arrematou: “Como uma pessoa se recusa a fazer um teste do bafômetro e diz que vai governar com decência e competência? Palavras são fáceis de dizer. Difícil é ter caráter. E poucas pessoas têm caráter nesse país como a Dilma Rousseff.''
Lula questionou o caráter de Aécio num palanque montado no município paraense de Ananindeua. Ele dividia a cena com um dos mais notórios prontuários da política nacional, Jáder Barbalho, e com o herdeiro político dele, o filho Helder Barbalho, candidato ao governo do Pará.
O episódio evocado por Lula ocorreu em 2011. Parado numa blitz da Lei Seca, no Rio, Aécio recusou-se a soprar o bafômetro e exibiu ao agente de trânsito uma carteira de motorista vencida. O documento foi apreendido. Na época, o hoje presidenciável travou com a repórter Adriana Vasconcelos o seguinte diálogo:
— O que aconteceu? Estava a três quadras do meu apartamento, voltando de um jantar, quando fui parado numa blitz. Uma operação corretíssima, aliás, de alto nível e que deve ser levada a todo o Brasil. Abordado por um agente, que foi muito educado, fiz o que qualquer cidadão deve fazer. Entreguei meus documentos. O policial então me alertou que minha carteira estava vencida.
— Por que não quis fazer o teste do bafômetro? Ao constatar que minha carteira estava vencida, perguntei ao agente como deveria proceder. Ele explicou que eu teria de arrumar um outro condutor para o veículo. Como estávamos perto de um ponto de táxi, imediatamente consegui um motorista para conduzir o meu carro até em casa. Como já estava no banco do passageiro, achei desnecessário fazer o teste do bafômetro.
— Se arrependeu de não ter feito o teste, diante da repercussão do episódio?Talvez sim, para evitar a exploração do episódio. Na hora, achei desnecessário. O fato é que, se eu não estivesse com a minha carteira vencida, certamente teria feito o teste para poder seguir dirigindo até em casa. De qualquer forma, espero que tudo isso seja útil para que outros cidadãos como eu fiquem mais atentos e mantenham sua documentação em dia.
O bafômetro era parte da reserva de ataques que o comitê de Dilma colecionara contra o rival. Mas vinha sendo mantido numa espécie de volume morto de baixarias, que só seria usado em caso de extrema necessidade. Ao saber que Aécio continua tecnicamente empatado com Dilma nas pesquisas após uma semana de bombardeio, Lula parece ter concluído que a hora do vale-tudo chegou.
Ironicamente, Lula usou para realçar a fama de debon vivant de Aécio um tipo de insinuação da qual já foi vítima. Em 2004, segundo ano do seu primeiro reinado, Lula abespinhara-se com uma notícia escrita pelo repórter Larry Rother e publicada no New York Times. O texto levantara a suspeita de que Lula presidia a República em meio a garrafas e goles.
Como peça jornalística, o trabalho de Rohter era precário. Baseava-se em mexericos anônimos e em fontes temerárias. Ganhou imerecida sobrevida graças à reação tresloucada do então presidente. Embriagado pelo poder, Lula expôs seus pendores imperiais e mandou cassar o visto de trabalho de Rohter, expulsando o correspondente do território brasileiro.
A decisão ficou em pé por menos de 24 horas. Derrubou-a o Superior Tribunal de Justiça.
Restou do episódio apenas a sensação de que o texto de Rohter bulira nos traumas interiores de Lula, de cuja árvore genealógica pendem um pai e um irmão mortos pelo alcoolismo.
O mais inusitado do comício paraense foi Lula ter questionado o caráter alheio num ato político em que confraternizava com Jader, um personagem que o STF acaba de converter em réu. Qualquer um pode conviver com um Barbalho por obrigação protocolar, até por uma visão caolha de esperteza política. Porém…
Porém, entregar cargos federais a apadrinhados do Barbalho, como fez Lula, ir atrás do Barbalho, cortejar o Barbalho, escorar a governabilidade na convivência com o Barbalho, pedir votos para o herdeiro do Barbalho… Fazer tudo isso num instante em que o governo arde em escândalo, francamente, não é coisa de gente sóbria.
Num depoimento à jornalista Denise Paraná, reproduzido no livro ‘Lula, o Filho do Brasil’, o cacique do PT afirmara: “A verdade é o seguinte: política é como uma boa cachaça. Você toma a primeira dose e não tem mais como parar, só quando termina a garrafa.'' É, faz sentido.
Fonte: UOL Notícias
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