Chico Mendonça
Editor-chefe do Hoje em Dia
chicom@hojeemdia.com.br
Talvez devesse ser diferente, mas a realidade é sempre muito melhor que as idealizações. Fato é que as eleições no Brasil, em lugar de festa maior da democracia, como declamam os adeptos do lugar comum, se transformaram em palco privilegiado da intolerância. Basta ter uma conta no Facebook ou no Twitter para se ver exposto a toda sorte de agressões, desde ataques a quem optou pela outra candidatura até mesmo calúnias que, mesmo sabidas como tal, são reproduzidas sem rubores por gente que se diz do bem. Ícone da modernidade, as redes sociais permitem que o sujeito compartilhe conteúdos que não diria a viva voz se tivesse diante de si um par de olhos atentos. Livres do contato humano, há pessoas que se transformam diante de um computador. Nenhuma surpresa: o ego de qualquer pessoa, por si só, às soltas, é capaz de crueldades inomináveis.
Não bastasse a experiência pessoal de quem frequenta as páginas de compartilhamento, descobri na Folha de S.Paulo de sexta-feira última as estatísticas da intolerância. Segundo a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, que compartilha suas informações com a Polícia Federal, de 1º de julho a 6 de outubro deste ano, os relatos de crimes de ódio cometidos na web cresceram nada menos que 84%, incluindo mensagens de racismo, homofobia, xenofobia, neonazismo e intolerância religiosa.
O pico de denúncias aconteceu em 29 de setembro, um dia depois da data em que a estupidez encarnou mais uma vez em um senhor que parece já ter nascido candidato a presidente da República, tantas são as vezes em que tem se apresentado como tal, mesmo sem chances mínimas de êxito. As manifestações homofóbicas de então de Levy Fidelix, durante debate na TV, geraram 1.143 denúncias contra gente que se inspirou nele para manifestar nas redes sociais seus preconceitos e intolerância. Recorde do primeiro turno destas eleições, o aumento de denúncias foi de 1.800% se comparada com a mesma data do ano anterior.
Pasmem, isso aconteceu pela influência deste homem teatral e pequeno, menos na estatura, cuja empáfia ao falar, subsidiada pelo esfregar das mãos uma contra a outra, quer sugerir que ele nos revelará, enfim, a verdade. Graças a Deus, Fidelix não entrega o que vende. Imagino o que aconteceria se o responsável por abrir as comportas do intolerância fosse um líder realmente e se o cenário econômico estivesse bem mais deteriorado do que está. Assim, para ficar num exemplo, nasceu o nazismo, resultado do congraçamento entre a Alemanha tragada pela hiperinflação, humilhada pelas potências vencedoras da Primeira Grande Guerra, e a capacidade de oratória de Adolph Hitler, a conduzir corações e mentes na identificação dos supostos culpados pela miséria nacional.
Em maior ou menor proporção, os radicalismos - e a intolerância que carregam no ventre inchado - sempre são a projeção de alguma infelicidade, nunca do conhecimento. O intolerante não aceita a vida como é, as pessoas como são, e projeta a felicidade como algo possível apenas no cenário idealizado - e, por isso, irreal -, povoado somente por gente igual a ele.
O intolerante, como se vê, é, antes de tudo, um chato! Li, certa vez, que todo sofrimento resulta da resistência aos fatos, da não aceitação da realidade, o que faz do intolerante, além de chato e fonte de dor, ele próprio um sofredor. Melhor, portanto, não apressar o passo mais do que pode alcançar a perna da vez nem exigir de outra pessoa que pense igual a si mesmo. Afinal, a história tem seu próprio tempo, indiferente aos caprichos de quem quer que seja.
Fonte: Hoje em Dia
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