domingo, 16 de novembro de 2014

Mais uma lenda desaba

por Antonio Risério

Nenhum observador sério da cena brasileira engolia nesses últimos anos o conto governamental de que a desigualdade social vinha diminuindo progressivamente no país desde que o PT tinha chegado ao poder. Bastava olhar em volta para chegar a conclusão diversa. Via-se que, do “plano real” de Fernando Henrique à ênfase de Lula nas políticas sociais, o poder de compra dos mais pobres aumentara. Mas tal aumento não implicaria automaticamente a redução das distâncias classistas.

Além disso, vários dados desmontavam a fantasia manipuladora da propaganda petista. Por exemplo: relatório da ONU em 2012 apontava o Brasil como um dos 12 países mais desiguais do mundo. Ou ainda, para lembrar a distinção insistente dos sociólogos, a política social do “lulopetismo” era (e continua a ser) fundamentalmente assistencialista, em detrimento de políticas públicas redistributivas (educação, saúde, transporte, moradia), previstas já na Constituição de 1988. Na outra ponta, os banqueiros lucravam como nunca antes nesse país. Como, num horizonte desses, a desigualdade poderia cair progressiva e significativamente?

Veio então a confirmação numérica de nossas suspeitas, com um estudo de três pesquisadores ligados à Universidade de Brasília e ao Ipea: “O Topo da Distribuição de Renda no Brasil”. Eles deixaram de lado os dados oficiais da PNAD, insuficientes para medir a renda verdadeira dos mais ricos, e, seguindo a lição de Thomas Piketty, se concentraram em informações contidas nas declarações do Imposto de Renda. Mostraram assim que os ricos brasileiros ganham muito mais do que dizem os números oficiais. E que a famosa queda na desigualdade, alardeada pelo governo federal, não passa de mais uma lenda marqueteira. Já em 2012, ao contrário do que dizia a PNAD, os 5% mais ricos da população brasileira embolsavam 44% (quase a metade) da renda total do país.

As entrevistas subjetivas da PNAD não conseguiam chegar aos dados reais de um dos pólos da hierarquia social – e logo do pólo dos endinheirados. Como medir assim a desigualdade social brasileira? Impossível. Os dados do IR, diversamente, fornecem uma base segura para a medição. E o que vemos é que, se o grosso da população passou a ganhar melhor, os mais ricos faturaram ainda mais. A desigualdade permaneceu, se é que não aumentou. Como uma fatia razoável dos pobres é desobrigada de declarar IR e, ao mesmo tempo, privilegiados recebem grana via “pessoa jurídica”, é provável que a desigualdade nacional seja maior do que pensamos. Por fim, recebemos agora a notícia de que a legião dos miseráveis voltou a crescer no país.

Nesse momento, 0.1% da população brasileira de maiores de 18 anos de idade ganha o suficiente para comprar pelo menos um apartamento a cada trimestre, enquanto milhões de outros brasileiros moram amontoados, extremamente mal alojados em casebres mambembes – ou simplesmente não têm onde morar. E não me venham falar das bolachas quebradas do “Minha Casa, Minha Vida”, construindo hoje as nossas favelas de amanhã.

* Antonio Risério é um antropólogo, poeta, ensaísta e historiador

Fonte: Bahia Notícias

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