Ialorixá do Terreiro do Cobre
Começo a colaborar com este jornal no período próximo ao Natal, festa cristã que reúne as famílias. Quando eu era criança, Papai Noel quase nunca passava pela minha janela. Infelizmente, quando se comemora o nascimento de Cristo é alegria para uns e tristeza para outros, principalmente as crianças menos privilegiadas, que não entendem o que é o Natal e por que Papai Noel não passou pelas suas janelas para deixar presentes.
Como eu sabia que Papai Noel não ia passar na minha janela, eu e outras crianças da comunidade do Engenho Velho da Federação íamos pegar fichas para retirar os brinquedos distribuídos em uma garagem de ônibus na Vasco da Gama. Ficávamos em filas quilométricas debaixo do sol e tinha muita confusão. No dia seguinte, íamos buscar os brinquedos: para as meninas era uma boneca pequena que, no segundo dia, mesmo com todos os cuidados que eu e minhas amiguinhas tínhamos, perdia os cabelos. As bolas dadas aos meninos também esvaziavam no segundo dia, assim como os carros soltavam as rodas. Mas ainda assim éramos felizes.
As famílias se reuniam e os vizinhos eram considerados parte delas: era a comadre, o compadre. Cada um levava um prato para a casa do outro. Lembro que minha mãe fazia rabanada com pão duro passado em leite e ovos, fritava e depois colocava açúcar e canela em pó. Era uma delícia.
As casas, nessa época, tinham um cheiro que trazia a lembrança de que era Natal por conta das folhas de pitanga, são-gonçalinho e flores de angélica, que comprávamos na horta de Seu Lídio. O cheiro se misturava ao das frutas – abacaxi, manga, melancia e umbu. O chão de barro batido era molhado no dia anterior. Então colocávamos folhas de banana para deixar liso. À tarde tirávamos as folhas de banana e colocávamos areia, as folhas de pitanga e de são-gonçalinho.
Os vizinhos criavam juntos, durante o ano inteiro, um peru que, por isso, era chamado de “peru de meia”. Na véspera de Natal dava-se cachaça ao peru para então matá-lo. As crianças tinham que ficar no quarto para que não vissem a morte, mas sabiam o que estava acontecendo. No outro dia, ele era servido com farofa.
Mesmo com dificuldades, o Natal é um momento solene. Com muita comida, bebidas e presentes ou até mesmo sem nada disso, as famílias se reúnem e isso é muito importante. Quando estamos reunidos, como família, trocamos coisas boas, energias, saúde, alegria e até mesmo tristezas. Família é uma das coisas mais importantes da vida, pois só ela nos dá a base dos valores que servem para o resto da vida.
O povo de santo, ou seja, de candomblé, é privilegiado porque tem duas famílias: a consanguínea e a religiosa. Assim tem mais oportunidades para a confraternização familiar. Os que não têm a família consaguínea têm a outra. Muitas vezes, meus filhos de santo não têm parentes por perto, mas a qualquer necessidade têm seus irmãos religiosos para ajudar nos momentos de alegria e tristeza. Também temos mais oportunidades para confraternizar com ou sem Papai Noel deixando presentes nas janelas. Feliz Natal para todos com muita saúde, que é o bem maior da vida. Axé.
MÃE VALNIZIA ESCREVE MENSALMENTE EM DIA DE XANGÔ, QUARTA-FEIRA
Fonte: Blog Mundo Afro
Nenhum comentário:
Postar um comentário