Acervo O GLOBO ganha seção de propaganda
Com curadoria de Armando Strozenberg, nova área do site traz anúncios que contam a história do Rio e do país
POR RAPHAEL KAPA
Estereótipos de gênero e etnia hoje contestados aparecem com clareza em muitas das peças - Agência O Globo |
RIO - Peças publicitárias que exaltam a segurança dos bondes cariocas pregam que geladeira não é artigo de luxo e lançam a grande novidade para 1936: o Ford V-8. Para além das notícias publicadas, os anúncios que estamparam as páginas do jornal também contam a história do Rio e do Brasil e os hábitos de diferentes gerações. Pensando nisso, o site do Acervo O GLOBO conta a partir de agora com uma nova seção, dedicada somente à propaganda veiculada nos 89 anos do jornal.
Com curadoria do publicitário Armando Strozenberg, a nova seção traz material que não se limita aapenas a reproduzir as centenas de anúncios.
— Queremos mostrar o contexto em que as peças foram feitas e como eram elaborados os processos de convencimento de cada época. O instigante deste acervo é mostrar, talvez pela primeira vez no Brasil, uma leitura da história contemporânea através da propaganda — afirma Strozenberg, que contou com uma equipe com historiadores, publicitários e antropólogo para a curadoria.
O espaço (acervo.oglobo.globo.com/propaganda) está dividido em sete categorias:
Em cada área, contextualizam-se o momento e a evolução daquele tipo de publicidade. A expansão imobiliária da cidade do Rio rumo à Barra da Tijuca, por exemplo, é explorada em “Cidade descobre mundo novo”, dentro da etiqueta espaço urbano.
— Propaganda, nova seção do site do Acervo, conta a história do Rio e do Brasil sob uma nova perspectiva. Ao entrar em contato com uma seleção de anúncios publicados ao longo dos 89 anos do GLOBO, o leitor aprende mais sobre a trajetória do jornal e sobre a vida cotidiana de diferentes épocas. É uma delícia passear por temas ligados a lazer, veículos, alimentos, moda, espaço urbano e vida doméstica e conhecer os costumes e os hábitos de um tempo — diz Sandra Sanches, diretora-executiva do GLOBO.
Strozenberg traz sua experiência em propaganda para a curadoria da seção. Pós-graduado na área, jurado do festival de publicidade de Cannes e quatro vezes escolhido publicitário do ano, o profissional vê os anúncios como um reflexo de uma época.
— A propaganda é um espelho da sociedade. Ela reflete os hábitos e costumes daquelas pessoas naquele momento. O acervo será um grande registro de nove décadas da história brasileira— afirma.
QUESTÃO RACIAL
O retrato do Brasil através dos anúncios também guarda mazelas de nossa trajetória que serão exploradas. Durante as décadas de 40 e 50, por exemplo, diversos anúncios tratavam com preconceito a questão racial. Mulheres negras eram retratadas quase tão-somente como empregadas domésticas, enquanto as donas de casa, sempre esbeltas, eram brancas. O próprio papel da mulher se modifica no decorrer do tempo — e das edições do jornal. Inicialmente apresentada como responsável pelos cuidados da casa, elas passaram a aparecer com autonomia e poder de compra.
— O anúncio no jornal é o resultado final de uma leitura dos hábitos. Para vender, é necessário identificar o consumidor. Anos depois, aquela peça não é mais para a venda, mas serve como uma fonte histórica para ilustrar a dinâmica social naquele período — afirma a historiadora Ilana Borges, especializada em propaganda.
CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO
O aumento do consumo da população em diferentes anos é retratado por meio de anúncios que mostram que a compra de eletrodomésticos não é um privilégio dos ricos. Já outras publicidades podem denunciar o quanto a cidade se transformou. Em uma peça de 1947, a companhia de Carris, Luz e Força questiona “quem poderia imaginar o Rio sem bondes?”. Sessenta e sete anos depois, a cidade aguarda ansiosa a volta deles às ruas do Centro e de Santa Teresa.
— A propaganda atua em dois níveis. O racional é: preciso comprar algo e vejo em diferentes lugares se existe um produto assim. E tem o emocional: aquela publicidade falou algo, em algum momento, com que você se identificou. Isso é parte do cotidiano e da memória afetiva de milhões de brasileiros — diz Strozenberg.
Marcelo Serpa, diretor da agência AlmapBBDO, corrobora:
— Acho fundamental ter um espaço como este. Para aqueles que não viveram, é uma oportunidade de entender o período, e, para aqueles que viveram, há uma memória afetiva. A propaganda dialoga com a sociedade o tempo todo.
Orlando Marques, presidente Associação Brasileira de Agências de Publicidade, crê que a contextualização sobre como foi e é feita a propaganda é essencial:
— O Acervo vai falar como era a propaganda e os motivos de ela ser daquela maneira. É imprescindível um espaço deste.
José Roberto Whitaker Penteado, presidente da ESPM, afirma que a publicidade é tão protagonista quanto a notícia nos jornais e que, por isso, é necessário contar sua história:
— A publicidade é tão informativa ou mais que a matéria (jornalística). O jornalista busca o excepcional, o publicitário busca o cotidiano. São leituras de mundo que se complementam na tentativa de compreender a realidade de uma época.
INSTITUCIONAIS TÊM ESPAÇO
Além das publicidades anunciando produtos e marcas de outras empresas, a seção conta com um levantamento das peças de propaganda institucional do próprio GLOBO. Anúncios de premiações recebidas pelo jornal, ações culturais e divulgação de iniciativas como o prêmio Faz Diferença e o projeto Aquarius aparecem no espaço.
— As pessoas vão perceber que o veículo de comunicação precisa se comunicar. É interessante ver como O GLOBO se posicionou como uma marca forte durante o tempo — completa o curador.
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