segunda-feira, 6 de abril de 2015

‘Meu avô teria me matado’

‘Meu avô não era a encarnação do mal’, diz neta de célebre oficial nazista

Descendente de capitão que inspirou ‘A lista de Schindler’ escreve livro: ‘Meu avô teria me matado’

RIO - Em 2008, a publicitária alemã Jennifer Teege estava matando o tempo na biblioteca central da sua cidade, Hamburgo, quando se deparou com um título que lhe chamou atenção: “Eu preciso amar meu pai, não?”. Ela tirou o livro da estante e, na capa, havia a foto de uma mulher familiar. O subtítulo dizia: “A história da vida de Monika Goeth, filha do comandante do campo de concentração de ‘A lista de Schindler’”. Jennifer não podia acreditar. Monika, a moça que aparecia na capa, era sua mãe. Aos 38 anos, Jennifer, que é negra, descobriu que seu avô foi um comandante nazista.

“O momento em que encontrei o livro foi como se, de dentro para fora, eu estivesse percebendo que algo excepcional estava acontecendo. Eu fiquei em silêncio. Foi como dar à luz: Você vai para dentro de si mesmo, e o mundo exterior desaparece”, contou Jennifer ao jornal “The New York Post”.

Tudo o que aconteceu logo depois que a publicitária descobriu o tal livro se tornou um borrão em sua mente. Ela lembra remotamente de ter folheado o exemplar, ligado para o seu marido e pedido para que ele pegasse seus filhos na escola. Mas tudo parecia acontecer em uma realidade paralela, já que ela ainda tentava processar a informação de que seu avô era Amon Goeth, “o açougueiro de Plaszow”, o homem cujas atrocidades foram imortalizadas no filme de Steven Spielberg — ganhador de sete Oscars em 1994. Jennifer diz que até hoje não conseguiu absorver a terrível notícia, e seu livro “My grandfather would have shot me: a black woman discovers her family’s nazi past” (“Meu avô teria me matado: a descoberta de uma negra sobre o passado nazista de sua família”, em tradução livre) é uma tentativa de compreender suas origens. O livro, publicado em 2013 na Europa, será lançado, em inglês, na próxima semana, mas ainda é inédito no Brasil.

Jennifer é negra, fala hebraico e viveu por quatro anos em Israel. Por cinco anos ela estudou a fundo o envolvimento de seu avô com o genocídio dos judeus. No livro, ela conta que sente “repulsa” por ele, mas que, como é sua decendente, precisa acreditar que seu caráter violento e sádico não foi causado por alguma condição genética de sua família.

“Meu avô não era a encarnação do mal. Ele era um ser humano. Ele tomou muitas decisões erradas, mas, um dia, ele foi uma criança. Não é possível dividir as pessoas em ‘boas’ e ‘más’”, afirmou a autora ao veículo americano.

Logo que encontrou o livro, Jennifer passou o dia inteiro trancada em casa, lendo toda a história de uma vez. Sua reação imediata foi entrar em negação até que pudesse apurar os fatos.

“Era uma quantidade tão grande de informações. Naquele momento, pensei: ‘Preciso verificar isso. Quem sabe se isso é verdade ou não?”, lembrou.

Jennifer então pesquisou na internet por horas e assistiu ao documentário “Inheritance” (“Herança”), sobre sua mãe e sobre uma das vítimas de seu avô. Tudo era muito novo para a escritora, já que há décadas ela não tinha contato com sua mãe, que nunca havia lhe contato sobre a origem de sua família. A publicitária é fruto do breve relacionamento de Monika Goeth com um nigeriano, e foi entregue para a adoção ainda recém-nascida. Desde então ela não teve mais contato com a mãe biológica e não recebeu muitas informações sobre sua família da instituição que a recebeu. Seu pai foi executado quando ela tinha dez meses de vida.

Ao assistir ao documentário, Jennifer descobriu que seu avô foi enforcado por seus crimes em 1946, na Cracóvia, Polônia. Suas últimas palavras foram: “Heil Hitler”. A alemã, que desde os 20 anos sofria de depressão, entrou num estado profundo de desespero e teve um aborto espontâneo.

“Eu não conseguia funcionar. Eu não conseguia me manter sã”, recordou Jennifer, que tinha muito medo de descobrir o quanto de seu avô ela tinha em si mesma.

Ela só começou a melhorar quando encontrou um psicanalista especializado em tratar parentes de nazistas, e leu relatos de outros descendentes de torturadores. Ela visitou a casa onde seus avós viveram perto do campo de concentração de Plaszow, que Goeth comandava, na Cracóvia. De acordo com a Yad Vashem, o Centro Mundial de Pesquisa sobre o Holocausto, 8 mil pessoas foram mortas em Plaszow, que ficou sob o comando de Goeth de fevereiro de 1943 a setembro 1944.

“Eu quero ver onde meu avô cometeu seus assassinatos. Eu quero me aproximar dele, para, então, estabelecer uma distância entre ele e eu”, escreveu Jennifer em seu livro.

Após uma vasta pesquisa sobre seu avô, Jennifer acredita que Goeth não foi um dos nazistas mais cruéis.

“Se você olhar nos livros, verá que o nome dele não aparece tão frequentemente como o de Himmler. Ele tomou essa importância por causa de ‘A lista de Schindler’, então ele se tornou, ao lado de Hitler, o rosto dos torturadores”, afirmou Jennifer, admitindo, no entanto, que Spielberg retratou seu sadismo de maneira exata: “Meu avô não era alguém que dava ordens. Ele era uma pessoa que gostava de matar”.

Hoje, a pesquisadora viaja pelo mundo para contar sua experiência em palestras, principalmente para sobreviventes do Holocausto e seus parentes.


POR O GLOBO

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