quarta-feira, 27 de maio de 2015

Arte contemporânea africana no Museu Afro










Na parede do museu, nada chama mais a atenção do que uma enorme cortina dourada. De longe, parece um adorno suntuoso, mesmo que desestruturado e desarranjado –uma espécie de joia em decomposição. De perto, tudo aquilo se revela uma trama de tampinhas de garrafas de uísque e rum, achatadas e costuradas com fios de cobre.


El Anatsui, o artista ganense que acaba de vencer o Leão de Ouro pelo conjunto de sua obra na Bienal de Veneza, é o homem por trás desse mural. Num jogo duplo, seu trabalho feito de lixo para evocar o luxo virou uma síntese da arte contemporânea da África.

Também serve de âncora para uma mostra de arte do continente agora no Museu Afro Brasil. Além do manto de Anatsui, estão lá peças de outras estrelas da região, como o anglo-nigeriano Yinka Shonibare e o angolano Yonamine.

"Essas obras não poderiam sair de nenhum outro lugar a não ser a África", diz Emanoel Araújo, diretor do museu e responsável pela exposição. "Queremos mostrar o poder desse lugar num país como o Brasil, ainda muito preconceituoso e onde o povo acha que África é um país."

Em paralelo à Bienal de Veneza, aberta no início do mês, a primeira edição em 120 anos comandada por um negro –o nigeriano Okwui Enwezor–, a mostra de Araújo parece estar em sintonia com o resto do mundo da arte, que agora tem os olhos grudados na África.
 
Depois da mostra no museu do Ibirapuera, o Festival Videobrasil, marcado para outubro no Sesc Pompeia, terá entre seus destaques a obra do malinês Abdoulaye Konaté, outro artista da região conhecido por seus enormes bordados de tecido colorido.

Adelina von Fürstenberg, que acaba de vencer o Leão de Ouro em Veneza à frente do pavilhão da Armênia, também entrou na onda africana e prepara uma exposição de nomes do continente –entre eles outro premiado na mostra italiana, o angolano Edson Chagas–, que estreia em novembro no Sesc Belenzinho.

"Esse é um movimento que está se tornando cada vez mais forte", diz Fürstenberg. "É importante ter uma percepção mais politizada da arte dessa região e deixar de olhar para isso como mercadoria."

Nos últimos anos, aliás, a África vem substituindo a China e a América Latina como berço de novos talentos não só pela potência de seus artistas, mas também como espécie de nova mina de ouro ainda inexplorada na rota das tendências que dominam a geopolítica das artes plásticas.

TEMPESTADE CONGELADA

"Não entendo a surpresa de quem ainda se espanta com o fato de haver arte contemporânea na África", diz o nigeriano Bright Ugochukwu Eke, um dos artistas da mostra no Afro Brasil. "Quase todo o continente foi colonizado por europeus, e a vida na África é moldada pelo Ocidente. Não há uma distância tão grande."

No caso de Eke, sua instalação com sacos plásticos cheios de água suspensos sobre um monte de areia segue a estratégia de El Anatsui, com quem teve aulas, de criar uma forma imponente para falar de mazelas que assolam o continente –sua tempestade congelada é uma referência à chuva ácida que destrói lavouras e contamina rios de seu país.

Lembrando o passado colonial da África, Yinka Shonibare mostra dois manequins empunhando espingardas. Travam um duelo vestidos com roupas de corte vitoriano, alusão ao domínio britânico sobre a Nigéria, mas com estampas de cores estridentes típicas de trajes tribais, reforçando a noção de uma África como território de disputa.

Do lado de fora do museu e nas primeiras salas da exposição, murais e desenhos do beninense Hector Sonon fazem uma caricatura em preto e branco da vida numa África que parece bem próxima do Brasil, com vendedoras de peixe numa feira, todas tagarelando ao celular.

"Exagero a representação dos personagens, mas nunca deixo de usar só branco e preto", diz Sonon. "Não enxergamos o preto sem o branco." SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

AFRICA AFRICANS
QUANDO de ter. a dom., das 10h às 17h; até 30/8
ONDE Museu Afro Brasil, pq. Ibirapuera, portão 10, tel. (11) 3320-8900, museuafrobrasil.org.br
QUANTO grátis 
 
 

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