A morte sistemática de jovens negros no Brasil é uma realidade que estampam capas de noticiários dentro e fora do país. O movimento negro, além de enterrar os corpos, daqueles que não desaparecem misteriosamente, vem diariamente denunciando o assombroso aumento do número de homicídios da nossa juventude. Alguns grupos definem este cenário de morte como sendo de extermínio da juventude negra, outros defendem a existência de genocídio.
Meu objetivo é tentar analisar, ainda que de maneira preliminar, se há elementos suficientes para considerar que esse conjunto de homicídios pode ser enquadrado como crime de genocídio. As linhas que seguem visam contribuir para um debate que é definidor dos rumos do país e vital para comunidade negra.
O signo genocídio surgiu da junção da palavra grega génos que significa raça, povo, tribo ou nação e da palavra latina caedere que quer dizer destruição, aniquilamento, ruína ou matança. Assim, genocídio quer significar a destruição de uma raça.
A ONU, após os absurdos produzidos pelo Nazismo, onde se tentou destruir uma raça dita inferior, e a instituição do tribunal de exceção de Nuremberg em 1948 para julgar estes crimes, criou a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Embora a norma internacional tenha sido editada há quase sete décadas, foram vários casos os de mortandade direcionados a grupos específicos durante a vigência da regra em comento. Situação que leva a alguns estudiosos a afirmarem que a Convenção apenas pune este tipo de delito, porém não impede sua realização.
Em terras estrangeiras são diversos os episódios de genocídio pós Convenção, a exemplo do assassinato de cerca de 800 mil pessoas em Ruanda, ou das vidas ceifadas nos conflitos no Camboja, no Oriente Médio, na Chechênia, Timor Leste dentre outros.
No plano nacional vale ressaltar que a República Federativa do Brasil ratificou a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio em 1952, por meio do Decreto nº 30.822. A aludida Convenção define genocídio como sendo crime contra a humanidade e que consistente em matar membros de um grupo nacional, étnico, religioso ou pertencente a determinada raça, com o fim de destruição total ou parcial desse grupo. Assemelha-se, ao crime de genocídio, a conduta de causar lesões graves a membros de grupo, submetê-los a condições de existência, físicas ou morais, capazes de ocasionar a eliminação de todos os seus membros ou parte dele, forçá-los à sua dispersão, impor medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo e efetuar coativamente a transferência de crianças do grupo para outro grupo. Além de exemplificar as condutas que configuram o crime genocídio, a ONU traz, ainda, expressamente a possibilidade de acionar o Tribunal Penal Internacional para atuar nestes casos.
Por ter ratificado a norma internacional e em cumprimento a determinação disposta em seu Art. 5, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek sancionou a Lei nº 2.889/56 cujo o objetivo é definir as práticas criminosas e culminar as respectivas penas. Aqueles condenados pelo crime de genocídio podem sofrer pena de detenção de até 33 anos. Oportuno é enfatizar que a lei em debate ainda vigora no país, mesmo sem a devida eficácia.
Após a ter delineado o conceito de crime de genocídio, o exercício agora é observa se existe a subsunção do fato a norma. O reinterado assassinato de jovens negros no Brasil pode ser definido como genocídio? Enquadra-se em algumas das possibilidades trazidas pela Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio e/ou pela Lei nº 2.889/56? No meu sentir, a resposta para esta indagação teima, infelizmente, em ser positiva, se não, vejamos…
Ao analisar os dados do Mapa da Violência no Brasil observo que na década compreendida entre 2002-2012 há uma significativa queda no número de homicídios de jovens brancos, ao passo que aumenta o morticínio de jovens negros. Enquanto em 2002 morriam 10.072 jovens brancos para cada 100 mil habitantes, esse número decai para 6.823 em 2012. Não obstante, o número de homicídios de jovens negros saltou de 17.499 para 23.160 no mesmo período. Houve um decréscimo de 32,3% na morte de jovens brancos ao passo que os jovens negros vitimados aumentaram 32,4%, é dizer que para cada branco morto, morrem 2,7 negros.
Outro dado a ser observado é que no ultimo ano da série (2012) houve um crescimento de quase 10% nos homicídio de jovens negros, com atenção especial para Bahia que a taxa de jovens negros mortos duplicou, números inadmissíveis em tempos de paz.
A partir da análise da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, da Lei nº 2.889/56 e do paulatino crescimento do número de homicídios onde as vítimas são majoritariamente jovens negros, é fácil a percepção que vivenciamos o crime de genocídio da juventude negra brasileira. Neste ínterim, as linhas que estas antecedem demonstram indubitavelmente que o caso concreto enquadra-se, de modo evidente, nos tipos penais contidos na citada convenção e na lei penal extravagante.
Isso posto, cabe ao Estado brasileiro, além de adotar medidas para por fim ao genocídio, atuar na direção de sedimentar algumas medidas que ajudarão a diminuir a mortalidade de nossa juventude, a exemplo da extinção do auto de resistência, da descriminalização do uso de drogas e a permanência da maioridade penal em 18 anos.
por Leonardo Queiroz via Guest Post para o Portal Geledés
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