Transparência em respeito ao cidadão
Com acesso a informações sobre as finanças do governo e os salários dos servidores, o cidadão pode cobrar mais e os serviços públicos melhoram
Foi publicado nesta Folha, em 23 de abril deste ano, um texto sob o título "STF diz que é legal divulgar salário de servidores na internet".
Julgo que esse foi o reconhecimento de uma decisão acertada, tomada em junho de 2009, quando --à frente da Secretaria Municipal de Modernização, Gestão e Desburocratização de São Paulo-- colocamos no ar, no portal da prefeitura, o De Olho nas Contas, ferramenta capaz de transformar o cidadão em fiscal da administração, um verdadeiro portal da transparência.
À época, a iniciativa gerou polêmica. Com apenas alguns cliques, era possível ter acesso a uma série de informações sobre toda a vida financeira da prefeitura.
Todos podiam saber onde trabalhava cada funcionário, quanto ganhava e quantos pagamentos cada órgão da prefeitura fazia, para quem e para qual tipo de produto ou serviço. Esse portal trazia a transparência esperada pelo cidadão.
Tivemos naquele momento a sensibilidade de nos antecipar ao que hoje a população exige das autoridades Brasil afora, indo às ruas e pedindo mais transparência e zelo com a coisa pública.
Já naquela época estávamos sintonizados com essa necessidade. Para nós, era nada menos que o respeito ao cidadão, com a prestação completa de contas do que é feito com o dinheiro público.
Como toda mudança, ainda que benéfica para a população, a medida encontrou resistência. A tensão se concentrou na publicidade do nome dos servidores e de seus respectivos salários, sob o argumento de constrangimento moral.
Vários funcionários cujos nomes constavam da lista acionaram a Justiça. Conseguiram liminar no Estado de São Paulo, suspendendo a divulgação das informações. Agora, a questão chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal), que considerou legal a divulgação.
Muito embora pareça difícil determinar os limites entre o direito das pessoas à informação e o direito do servidor à privacidade, entendemos naquela situação que o interesse público era mais importante.
O servidor, diferentemente do funcionário da iniciativa privada, trabalha para o Estado, que tem como "patrão" os cidadãos. Assim, saber como o Estado paga seus funcionários é um direito legítimo. Isso nada mais é que seguir o princípio da publicidade, expresso no artigo 37 da Constituição Federal.
É natural que talvez alguns considerem desconfortável uma "lupa" sobre si. Ao falarmos em recursos públicos, no entanto, a transparência não pode ser castigada em detrimento da privacidade. No meu entendimento, desde o início, quando tive de ir ao Ministério Público depor sobre a iniciativa, não houve, e não há, choque de direitos.
Como ressaltado pelo ministro Marco Aurélio Mello no julgamento da questão, entre o interesse individual e o coletivo, prevalece o coletivo. Há, inevitavelmente, uma prevalência entre os direitos, e a decisão do STF consolida o entendimento que já tínhamos em 2009.
Acredito que esse é o caminho: mais transparência, colocando os recursos da tecnologia da informação a serviço do cidadão, com acesso total às questões públicas, como as finanças dos governos e os salários dos seus servidores. Mais informado, o cidadão pode cobrar mais e melhor. Assim, a qualidade dos serviços públicos melhora. Investir na transparência, sem ressalvas, é aprimorar a nossa democracia.
RODRIGO GARCIA, 41, advogado, é secretário da Habitação do Estado de São Paulo
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