terça-feira, 12 de maio de 2015

Racismo, aqui não!

Estudantes organizam ato contra racismo em universidade de MG

Projeto na UFJF foi inspirado na campanha americana “I, Too, Am Harvard”.
Mobilização nacional acontece nesta quarta-feira (13).

Rafaela Moreira, aluna do curso de Direito da UFJF
(Foto: Paula Duarte/Divulgação)

Um grupo de estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) vai realizar um ato contra o racismo nesta quarta-feira (13). A campanha "Ah, branco, dá um tempo" vai direto ao ponto e exige que questões de raça e cor sejam discutidas e difundidas, não só no ambiente acadêmico, mas em toda a sociedade. Em nota ao G1, a UFJF informou que está atenta à campanha e apoia o movimento dos alunos. 

O projeto foi inspirado na campanha “I, Too, Am Harvard”, da Universidade de Harvard. Nos Estados Unidos, as manifestações ganharam proporção e resultaram em uma conferência, que aconteceu em outubro de 2014. Já em 2015, foi abrasileirado, primeiramente, na Universidade de Brasília (UnB).

A ideia é simples e tem se mostrado efetiva. As pessoas devem escrever em uma folha de papel a expressão que está cansada de ouvir e postar nas redes sociais com as hashtags da campanha.

A fotógrafa Paula Duarte, uma das organizadoras, explicou como surgiu a ideia de adaptação. “Uma amiga viu a repercussão que deu na UnB e me chamou pra fazer aqui na cidade. Começamos a convidar algumas pessoas e já temos um coletivo com cerca de 30 organizadores”, contou.O grupo já realizou duas sessões de fotos no campus da UFJF, que acumulam dezenas de pessoas indignadas com mensagens corriqueiras. Agora, os estudantes se preparam para a grande representação nacional, nesta quarta-feira (13).

A fotógrafa Paula Duarte é uma das organizadoras
do ato na cidade (Foto: Divulgação/Divulgação)

Para ela, o movimento ganhou repercussão dentro da UFJF, justamente por retratar casos que são considerados comuns aos negros. “No início, convidamos algumas pessoas conhecidas, que foram chamando outros amigos e o movimento cresceu. A ideia colou pelo sentimento que todos tinham em comum. São frases que escutamos no dia a dia e que são consideradas normais, mas incomodam”, afirmou.

Paula disse ainda que os estudantes não procuraram apoio das faculdades, mas mesmo assim alguns professores e funcionários se dispuseram a participar. Para ela, a informação é essencial para derrotar o preconceito. “Em termos de sociedade, temos um despreparo muito grande para tratar qualquer questão relativa à raça e isso também acontece no ambiente universitário”, concluiu.

A estudante Demaísa Alves, de 22 anos, luta pela implementação na UFJF do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, como manda a Lei 10639/03, de janeiro de 2003. O Ministério da Educação (MEC) criou, em 2004, uma resolução que institui diretrizes para a criação das disciplinas. Mais tarde, em 2009, lançou um plano para obrigar o ensino de história da África e, desde então, vem cobrando dos cursos medidas de adaptação curricular.

A estudante Demaísa Alves participa de um grupo que cobra mudança curricular (Foto: Paula Duarte/Divulgação)

Alves acredita que o debate já deveria ter sido criado, mas garante que estão fortes na legitimação. “Criamos o movimento para debater e auxiliar nessas mudanças de currículo, já que a lei tem mais de 10 anos, conta como critério de avaliação de curso e a maioria das pessoas nunca ouviu falar dela”, contou.

Há cerca de quatro semanas, o curso de Medicina da UFJF decidiu puxar a fila e reformular seu projeto pedagógico. Isso aconteceu depois de um estudante procurar a coordenação para questionar sobre o andamento da adaptação da lei, como já tinha feito um ano antes. A coordenadora o convidou, então, para auxiliar na construção do novo texto, incluindo as disciplinas propostas pelo MEC. “Tivemos essa movimentação no curso de Medicina, o que já ajuda a puxar para os outros cursos da área de Saúde. A partir daí, queremos levar a discussão para todas as unidades da universidade”, explicou a estudante.
Só através da educação nós podemos mudar a realidade atual e construir relações mais justas"

Demaísa Alves, estudante

Para Alves, a comunidade como um todo tem estranhado a repercussão atual sobre as questões sociais porque ainda vive em uma sociedade que acredita numa democracia racial que, segundo a estudante, não existe. “O fato da UFJF ter se manifestado em rede social pode nos fazer ganhar mais apoio e divulgar nossa ideia, que é a de construir, junto com a comunidade, um debate que muitas pessoas não querem, mas que é extremamente necessário. Só através da educação nós podemos mudar a realidade atual e construir relações mais justas”, finalizou.

A UFJF enviou nota ao G1 em que diz estar ciente da infeliz realidade de casos de racismo em ambientes acadêmicos. Para reverter este quadro, a universidade desenvolve políticas de ações afirmativas e inclusão, garantindo direitos iguais a grupos sociais que foram excluídos dos processos de desenvolvimento social, educacional, cultural, político e econômico do país. A instituição também afirmou que está atenta à campanha dos estudantes e apoia o movimento dos alunos.

Sobre a adesão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a universidade disse que tem trabalhado em várias frentes, inclusive com a revisão de grades curriculares para a inclusão de matérias sobre cultura afro-brasileira, africana e indígena. Além disso, realiza campanha com instalação de banners em toda a instituição sobre ‘Intelectuais Negros/as: raízes de sabedoria e transformação’, conforme a nota.

A diretora de Ações Afirmativas da UFJF, Carolina dos Santos Bezerra Perez, aderiu à campanha na última quinta-feira (Foto: UFJF/Divulgação)

Na noite da última quinta-feira (7), a UFJF já tinha tornado público seu posicionamento, ao publicar em sua página oficial no Facebook, uma foto da diretora de Ações Afirmativas da intuição, Carolina dos Santos Bezerra Perez, aderindo à campanha. A criação da Diretoria de Ações Afirmativas é uma das iniciativas citadas pela UFJF e tem como objetivo articular os diferentes órgãos da universidade, adotando estratégias e fomentando processos de conscientização da comunidade acadêmica. Como resultado, a diretoria espera diminuir o racismo, o preconceito e a discriminação.

Quem quiser participar do movimento “Ah, branco, dá um tempo” deve escrever em um cartaz as frases que mais o incomodam no âmbito da discussão racial, tirar uma fotografia e postá-la nas redes sociais com as hashtags #AhBrancoDaUmTempo e #13deMaio. Esta data não foi escolhida aleatoriamente. Em 13 de maio é lembrado o Dia da Abolição da Escravatura, quando, em 1888, a Lei Áurea foi assinada pela princesa Isabel para extinguir a escravidão no país.

Em Juiz de Fora, os estudantes vão se reunir em frente ao Restaurante Universitário, no campus da UFJF, a partir das 11h. No local, vão confeccionar novos cartazes e se manifestarem. Para obter outras informações, os interessados devem acessar o tumblr do projeto na cidade ou confirmar presença no evento e participar das discussões.


Rafael Antunes - Do G1 Zona da Mata

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