sexta-feira, 29 de maio de 2015

Racismo aqui, não!

Secretaria de Igualdade Racial encaminha caso do ginasta Ângelo para a Polícia e o Ministério Público
 
Ouvidor da secretaria vê crime de racismo agravado pela divulgação do vídeo com piadas ofensivas por meio das redes sociais

Ângelo Assumpção (à direita) conversa com os colegas de ginastica que o teriam ofendido, após os depoimentos da última terça-feira perante auditor do STJD da CBG, no Rio - Fernando Quevedo/26-05-2015

RIO - As piadas contra o ginasta Ângelo Assumpção, que é negro, feitas por seus colegas de treinamento Arthur Nory, Fellipe Arakawa e Henrique Medina Flores, chocaram o ouvidor da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Carlos Alberto Júnior, que resolveu enviar ofícios ao Ministério Público Federal (MPF), à Polícia Federal (PF), à Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) e ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) da CBG. Por entender que o video exibido em primeira mão pelo GLOBO no dia 15 de maio evidencia dois graves crimes, o ouvidor solicitou que cada um desses órgãos tome providências cabíveis.

No que diz respeito ao MPF e da PF, é possível que estes determinem a abertura de um processo judicial e de inquérito policial contra os atletas. O caso ocorreu quando o grupo treinava em Portugal na segunda quinzena deste mês. Um vídeo divulgado por Arthur em sua página na rede social Snapchat mostrou cenas em que ele e os outros dois tentavam ridicularizar Ângelo por ser negro. Depois de dizerem que num celular em funcionamento a tela é branca, eles perguntavam a Ângelo de que cor era a tela de um celular com defeito, tentando fazer com que ele respondesse que era preta. Noutra piada, eles disseram ao rapaz que um saco de supermercado era branco, querendo saber de que cor era um saco de lixo. O trio desejava que Ângelo afirmasse que era preto.

Após analisar o vídeo e o material que vem sendo veiculado pela imprensa, Carlos Alberto Júnior comentou:

— Nós entendemos que ocorreram ali dois tipos evidentes de indícios de crime a serem apurados pela PF e pelo MPF. É perceptível que houve um crime de injúria racial, bem como houve outra violação, a da postagem do vídeo nas redes sociais. Isso fere o Artigo 20 da Lei 7.716, de 1989, sobre incitar e induzir à prática de discrmiação racial. A Ouvidoria da Seppir (que tem o status de ministério), mas recebe as denúncias dos cidadãos ou atua também nos casos expostos pelas redes sociais — explicou o ouvidor, por telefone, de Brasília. — O caso foi difundido amplamente pelos movimentos sociais de defesa dos negros, pelos blogs e pela mídia. Por isso, abrimos um procedimento administrativo para análise prévia e decididmos encaminhar o caso às quatro instituições citadas.

De acordo com o ouvidor da Seppir, os quatro órgãos aos quais a Seppir enviou ofício ainda não se pronunciaram. Para Carlos Alberto Júnior, uma denúncia de racismo pode, sim, ser levada adiante, mesmo que a vítima, no caso Ângelo não queira fazê-lo. Recentemente, na terça-feira, os quatro atletas prestaram depoimentos perante o auditor Felipe Bevilácqua, do STJD da CBG, no Rio, e de lá saíram se abraçando, como velhos amigos. No entender do ouvidor, isso, porém, não quer dizer que o tribunal não vá levar o caso adiante.

— Continuo insistindo que o crime de racismo independe da vontade e da amizade (entre as pessoas envolvidas), não podendo ser omitido, escondido ou entendido como brincadeira — advertiu. — Também não acredito que o STJD, que prega a democrtacia, a igualdade, o combate ao racismo deixe de repreender esta prática. Em especial num ano olímpico, nosso país não pode ser visto como racista ou como omisso diante da prática de racismo.

De qualquer forma, Arthur, Henrique e Fellipe já vêm sentindo a punição em seus bolsos, além de terem sido suspensos preventivamente por 30 dias pela CBG. Procurada pelo GLOBO a respeito do caso, a Caixa Economica Federal (CEF), patrocinadora da CBG, respondeu por meio de sua assessoria de imprensa, que aguarda uma posição final da CBG a respeito do caso, mas confirmou que por enquanto os vencimentos dos três atletas acusados estão suspensos:

“A Caixa suspendeu a transferência de valores para pagamento de bolsas incentivos aos atletas envolvidos, conforme prevê o contrato, e aguarda a decisão final dos órgãos competentes. Em todos os contratos de patrocínio esportivo, há cláusula específica com obrigações e penalidades aos atletas e técnicos, no caso de sua participação ou envolvimento em atos não condizentes com a postura desportiva. As mesmas penalidades são aplicadas nos casos de condenação pela CBG, ou outro órgão controlador, por conduta desonrosa ou imoral”, afirmou o banco por meio de sua assessoria, antes de completar: “A Caixa repudia qualquer manifestação racista e acredita na dignidade de todo ser humano e na universalidade de seus direitos fundamentais.”

CARTA ENVIADA À CEF

A Educafro, que promover cursos pré-vestibulares para jovens negros e de classe sociais mais baixas, vem estudando uma ação na Justiça contra os três acusados, além de já ter enviado uma carta à CEF, exigindo uma posição oficial do banco sobre o assunto, solicitando até mesmo o corte do patrocínio à entidade esportiva. Presidente da Comissão de Igualdade Racial-CIR/ OABRJ e coordenador nacional de comunicação do Movimento Negro Unificado, o advogado Marcelo Dias lamentou que a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) não tenha respondido ao pedido de uma reunião com os quatro atletas.


— Vou consultar e propor à direção da OAB-RJ que convide os quatro atletas a prestarem esclarecimentos à nossa comissão — antecipou.

Ângelo Assumpção em foto de arquivo - Divulgação / CBG
Em Brasília, Humberto Adami, presidente da Comissão Nacional de Escravidão Negra do Conselho Federal da OAB, argumentou que seria muito mais eficiente reeducar os atletas do que imaginar que eles possam acabar sendo processados e presos. Em seu entender, para uma acusação de danos morais à coletividade negra, como quer a Educafro, é difícil conseguir provar tal acusação.

— Eles (os três ginastas) erraram, é claro, mas a pena não pode ser excessiva. Qualquer advogado de nível médio conseguiria fazer a defesa deles, que são jovens e até na mesmo na aplicação da pena tem que haver um princípio de ressocialização — prosseguiu o jurista, por telefone da capital federal. — Eles têm de fazer cursos sobre a África e a cultura negra. Eles já estão pagando por terem sido suspenos da seleção. Creio que os pais deles também deveriam ser chamados, porque eles não aprenderam esse tipo de ofensa fora de suas casas. Não creio que algum promotor vá pedir algo além da prestação de serviços em comunidades carentes, e seria muito mais eficiente, e seria inédito, se a CBG obrigasse todos os seus atletas a fazer um curso sobre a contribuição da cultura negra ao país.

POR CLAUDIO NOGUEIRA - O Globo

Nenhum comentário:

AS MAIS ACESSADAS

Da onde estão acessando a Maria Preta