A blindagem petista em relação ao ex-presidente Lula mais parece a da barragem de Mariana. A lama se espraia para todo lado, seus limites são, por agora, impossíveis de determinar. As imagens e o odor fétido fazem nítido contraste com o que outrora foram um líder e um partido que se arvoravam em defensores da “ética na política”.
O tríplex no Guarujá e o sítio em Atibaia estão ganhando jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão. As explicações dadas são cada vez mais bisonhas e inverossímeis. De difícil credibilidade. Só um petista fanático para levá-las a sério.
Chega a ser grotesca a defesa que o PT faz de seus líderes julgados e cumprindo pena de prisão. Para não falar dos inquéritos em curso. A única linha de defesa parece ser a mentira, o ocultamento e o desrespeito aos cidadãos. Como se nada mais devesse ser acrescentado.
Agora o alvoroço é total, pois a figura de seu líder máximo foi fortemente atingida. São Lula, o homem mais honesto do mundo, foi obrigado a deixar o altar. Não apenas para se encontrar com cidadãos comuns, mas com os que devem prestar contas à Justiça. A queda foi abrupta. A vertigem, insuportável.
Contudo o que seria um destino “normal” sob certas circunstâncias numa sociedade democrática, o destino de uma pessoa política sendo julgada por seus malfeitos ou o de um partido obrigado a fazer face a suas práticas de aparelhamento do Estado e a suas contradições, pode estar se tornando um problema propriamente institucional. Porque a defesa lulopetista vem se voltando contra os meios de comunicação, o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que são instituições sociais e estatais da República, da nossa democracia.
Ora, aí reside precisamente o perigo, pois se o País não entrou em crise propriamente institucional, isso se deve precisamente ao trabalho do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e dos meios de comunicação em geral. O Poder Executivo está inerte, o Legislativo é vítima dos seus próprios malfeitos, os partidos políticos perdem cada vez mais credibilidade e, ademais, a oposição não cumpre sua função. Pilares basilares do Estado estão desmoronando, com o PT atuando fortemente nesse desmoronamento, produzido por suas políticas econômicas, corrupção, desvio de recursos públicos e uma ideologia revolucionária que dá novamente as caras. Ideologia reforçada pelo elogio ao estatismo, que levou o País a este buraco.
O Brasil vive em regime presidencialista e este, por sua própria natureza, exige um governante que presida no sentido mais forte da expressão. Não se pode ter um regime presidencialista sem uma presidente que exerça a sua função. Ora, a presidente Dilma goza de baixíssima aprovação, nenhuma credibilidade, não transmite confiança e sua política econômica está conduzindo o País ao precipício. Ninguém mais a toma a sério, a começar por seu próprio partido, que dela procura afastar-se cada vez mais, prevendo um desfecho que poderá ser-lhe muito desfavorável. Uma presidente que não governa é uma contradição em termos.
O Legislativo é outro Poder que se encontra totalmente deslegitimado perante a opinião pública. Não exerce as suas funções e transmite à sociedade a imagem de uma instituição refém de traficâncias, negociatas e transações escusas dos mais diferentes tipos. Parlamentares sérios não conseguem se impor neste quadro de desmoralização ética. A imagem transmitida é de que o bem coletivo e a representação popular não são preocupações de deputados e senadores, imersos, sim, na “conquista” de benefícios particulares. Se o processo de impeachment já se tivesse desenvolvido positivamente, caminhando para o afastamento da presidente da República, o resgate da imagem desse Poder poderia estar ocorrendo.
O pilar republicano que está segurando institucionalmente o País é o Judiciário, aí incluindo o Ministério Público, com o apoio decisivo de um órgão do Executivo, que é a Polícia Federal, atuando independentemente de seu ministro petista. Ou seja, se o País ainda não entrou em crise institucional, muito se deve à atuação desse Poder e desse órgão estatal. As menções de que o País está funcionando normalmente do ponto de vista institucional são expressões que, na verdade, têm um foco determinado, a saber, as investigações e condenações da Lava Jato, que estão dando um basta à impunidade reinante. Se houver aí uma quebra de confiança, um rompimento desse trabalho, aí, sim, a situação institucional fica crítica.
Note-se que uma instituição da sociedade – os meios de comunicação, representados por jornais, revistas, rádios, emissoras de TV, além da ampla circulação de ideias nas redes sociais – está cumprindo um papel fundamental no País, concretizando a liberdade de expressão, apesar dos ataques de que tem sido objeto da parte do PT e de seus movimentos sociais. As operações da Lava Jato têm tido ampla cobertura, partes de delações são publicadas, editoriais críticos são feitos, de tal maneira que houve todo um processo de formação da opinião pública.
O perigo, do ponto de vista institucional, está em que o PT e o ex-presidente Lula, acuados pelas denúncias que se avolumam, partam para um ataque mais frontal ao Judiciário, ao Ministério Público, à Polícia Federal e aos meios de comunicação em geral. Ou seja, seus alvos seriam as instituições do Estado e da sociedade que estão cumprindo sua função, abrindo assim uma crise institucional. Note-se que os ataques à “mídia conservadora”, ao Estado Democrático de Direito como se fosse um “Estado de exceção”, e assim por diante, revelam uma tentativa de desestabilização política, apesar de o contrário ser reiterado.
Consideram o funcionamento de instituições republicanas e sociais uma anomalia, que deveria ser “normalizada”, entendendo a “normalização” como a degradação das instituições republicanas em geral. A democracia está ameaçada.
Denis Lerrer Rosenfield é Professor de Filosofia na UFRGS.
Fonte: Estadão
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