Um cômodo de uma casa quase em ruínas na travessa Vidal da Cunha, no centro de Salvador, esquina com a Rua Chile. Um homem olha-se no espelho, passa a mão no rosto e joga alguns remédios no lixo. Um filtro de barro, uma fruteira, um ralador de coco, uma reprodução de A Última Ceia e uma cama e uma televisão velhas compõem o cenário.
O filme é o terceiro longa de Edgard Navarro. O homem é Bené, um velho (interpretado por Everaldo Pontes, do grupo de teatro Piolim) que se depara com o caos urbano ao voltar para Salvador em busca de tratamento médico.
Em menos de duas semanas, a equipe já havia filmado no Largo 2 de Julho, no Pelourinho e se preparava para ir ao Capão, na Chapada Diamantina, o outro lado do filme. É de lá que chega o personagem de Abaixo a Gravidade.
"Naquele momento, ele está em crise em relação aos remédios. Está desistindo de viver", afirma Edgard Navarro, que criou o roteiro a partir de O Homem Que Não Dormia (2011), retomando a frase recorrente desde Superoutro, de 1989: "Abaixo a gravidade!"
Duas Letícias
Em dúvida sobre o tratamento médico, Bené se divide também entre duas Letícias, irmãs interpretadas por Rita Carelli, uma delas bipolar, que refletem a tranquilidade do Capão e a agitação de Salvador.
"São como dois aspectos de uma mesma mulher. O sagrado e o profano, um amor idealizado e um amor carnal, e esse homem que está se questionando sobre as suas convicções", afirma Rita, também diretora e recentemente premiada em Recife como melhor atriz pelo longa Permanência, de Leonardo Lacca.
Urbanidade
O personagem é guiado pela emoção, afirma Everaldo, pelo sentimento. "Apesar da relação muito forte com o Capão, com a energia que o transforma, ele vem beber dessa urbanidade, desse desencontro, dessa degradação humana que é uma cidade como Salvador", diz. "No Capão, Bené descobriu uma espiritualidade e de repente ele se vê tomado pelo tesão, a vontade de vivenciar essa paixão".
No elenco, além de Everaldo, estão nomes que se podem chamar de navarrianos por excelência, como Betrand Duarte - o 'superoutro' e o padre de O Homem Que Não Dorma, que interpreta Myself, "um classe média bem-sucedido, infeliz no casamento, recalcado, cheio de problemas" - e Fábio Vidal, o epilético Vado do filme anterior, aqui, em um registro não muito distante, vivendo Mierre, um morador de rua que quer voar.
"O 2 de julho é um bairro de muita humanidade: um misto de prostitutas, travestis, artistas, família, gente um pouco remediada, gente muito pobre. E tem um comércio ativo diferente do centro de Salvador. Ali permanece uma coisa que regurgita de vida", afirma Navarro.
"Eu morei um tempo lá e de certa forma fui contaminado com o espírito daquele bairro", diz o cineasta, antecipando o universo de Abaixo a Gravidade.
"Eu queria fazer um filme sobre a bondade, a generosidade e a compaixão, e esse dilema da morte, da vida, do amor. A juventude e a velhice. Porque enquanto O Homem Que Não Dormia é muito pesado, cármico, fala de uma coisa dolorosa a priori e que te esmaga, esse não: pega todas as coisas que são feitas para esmagar, como a cidade grande, a miséria, e transforma", fala Navarro.
Orçamento
Programado para cinco semanas de filmagens, Abaixo a Gravidade vai ser fechado em um orçamento de R$ 2,250 milhões, fruto de um edital da Ancine para cinema de autor. "É a primeira vez que a gente faz com a verba de finalização garantida. Só não abrange a comercialização", afirma a produtora executiva Sylvia Abreu. O filme deve ficar pronto para ganhar o circuito dos festivais no segundo semestre de 2016.
Via A Tarde
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