Contundente e delicado, disco trata dos ‘assuntos do sexo’
RIO - Tom Zé lembra que tinha 6 anos, em Irará (BA), quando descobriu “que era mulher”. Aconteceu quando um menino mais velho chegou até ele com uma conversa sobre as meninas vizinhas:
— Ele disse: “As filhas de dona Fulana sobem em árvore sem calcinha”. Conversas assim. Fiquei com uma raiva danada, imediatamente me solidarizei com as meninas. E também me veio o medo de que ele ia perceber que eu estava contra ele, ia brigar comigo, me matar. Eu tinha essas fantasias infantis, do ambiente de medo no qual fui criado — conta o compositor. — Ali tive um horror sagrado, foi o primeiro momento no qual passei a cultivar uma espada de solidariedade para com a mulher. A palavra “espada” é muito boa, porque essa solidariedade continha também uma coisa pessoal minha, o fato de que tudo que agradava ao meu pinto era o que me interessava, entretanto eu era solidário às moças.
Ali, naquele instante de “horror sagrado”, foi fecundado o disco “Canções eróticas de ninar — Urgência didática”, “arrancado a fórceps agora”, como explica Tom Zé, às vésperas de seu aniversário de 80 anos (dia 11 de outubro). Como ele escreve no encarte, um álbum que traz “os assuntos do sexo como eram tratados (ou não) na minha infância e juventude”, tendo como norte essa “espada de solidariedade” de que o artista fala, que une o desejo (ou o pinto, “porque criança tem pinto, não tem pau”), e a identificação com a opressão sofrida pela mulher. O tabu da virgindade feminina, a educação sexual pelo contato com os empregados, a malícia que se mostra no ritmo (que ele chama de levada “sobe ni mim”) e na abordagem popular dos versos (como “E quando estava atoladinha/ Uma rainha” ou “Moça que tem receio/ Dedo só até o meio”— tudo se espalha nas 13 faixas do disco, com lançamento marcado para 8 e 9 de outubro no Sesc Pompeia, em São Paulo, chegando ao Circo Voador no dia 22.
“Canções eróticas de ninar” tem outra memória fundadora, essa vinda dos 12 anos de Tom Zé. Ele iria apresentar sua interpretação de “Dos almas” na escola, dentro de um espetáculo dos alunos. Sua professora sugeriu que ele ensaiasse com “a filha do Dr. Jessé”, que era pianista.
— É claro que uma mulher de 20 e tantos anos não tem nada a ver com uma criança de 12. Entretanto, quando uma pessoa senta ao piano, corre a mão e toca meia dúzia de acordes, parece uma intervenção divina. Ela começou a cantar “Pra amar com desatino/ São duas (almas), tu e eu”... Eu não sabia o que era amar ou amar com desatino, mas o clima da sala foi se enchendo de energia. De repente a libido começou a se instalar. Leve em consideração que pra apertar o pedal ela mexia a coxa, mexia-se cantando, estava ali em toda sua vida feminina. A libido se instala durante um ou dois anos, mas para mim foi numa tarde só, Deus foi cruel comigo. Saí dali diferente.
Via O Globo
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