quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

"Amigo do povo"

Dom Paulo não mandava recado e enfrentava os generais, diz biógrafa




Dom Paulo Evaristo Arns (1921, Santa Catarina, 2016)


"Ao longo da vida, o frade franciscano Paulo Evaristo Arns recebeu muitos epítetos. Foi chamado de cardeal da liberdade, bispo dos oprimidos, cardeal dos trabalhadores, bispo dos presos, bom pastor, cardeal da cidadania, guardião dos direitos humanos e tantos outros. Mas já ao final da vida, quando lhe perguntaram como gostaria de ser lembrado, deu uma resposta singela: "amigo do povo". (PEDRO DEL PICCHIA, FSP, 14/12/2016 12h35)

Dom Paulo ajudou vítimas de ditaduras de países vizinhos

Dom Paulo Evaristo Arns, morto nesta quarta-feira (14), enfrentava os militares com altivez durante a ditadura. Visitava de surpresa locais onde perseguidos políticos estavam detidos e procurava os generais para denunciar crimes praticados pelo regime. "Ele incomodava muito os militares. Ia pessoalmente [nos presídios e nos gabinetes], não mandava ninguém", afirma Evanize Sydow, uma das biógrafas do arcebispo emérito de São Paulo.

Quando dom Paulo se tornou arcebispo de São Paulo, em 1970, o país vivia o auge da repressão. A Igreja Católica na capital paulista, diz Evanize, estava alheia à situação política. "Era um momento crítico. A igreja de São Paulo estava virada de costas para essas questões. Ele mudou isso, abrigou perseguidos e denunciou crimes da ditadura."

O religioso ajudou, por exemplo, o jurista Helio Bicudo a publicar um livro com denúncias contra o Esquadrão da Morte, grupo de extermínio formado por policiais.

Jornalista e mestre em história, Evanize escreveu com a colega Marilda Ferri o livro "Dom Paulo, um homem amado e perseguido". "Todos os passos dele eram seguidos pelos militares", afirma a biógrafa.

Segundo Evanize, Arns tinha boas relações com generais como Golbery do Couto e Silva e Ednardo D'Ávila Mello, mas era execrado por Emílio Garrastazu Médici, presidente no período mais sangrento da ditadura (1969-1974), e pelo coronel Erasmo Dias, que foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Rafael Perez/Reuters
Fidel Castro fez convites para dom Paulo visitar Cuba

Cone Sul e Fidel Castro

Para a biógrafa, o religioso era a personificação da luta pelos direitos humanos. A atuação dele extrapolou as fronteiras brasileiras. Dom Paulo formou um grupo de apoio a perseguidos políticos pelas ditaduras do Cone Sul, o Clamor. "Ele corria o risco e assumia o apoio, dava proteção. Impressionante como os casos de vários países vinham para São Paulo. As pessoas sabiam que ele colocaria a equipe a serviço para ajudar."

Sua atuação chamou a atenção até mesmo do ditador cubano Fidel Castro, morto no último dia 25 e cujo regime foi acusado de praticar violações aos direitos humanos. "Fidel era grande admirador de dom Paulo, mandou cartas para ele e queria que dom Paulo fosse a Cuba", conta Evanize. O arcebispo respondeu que a visita dependia da Igreja Católica. A viagem nunca foi autorizada.

A biógrafa diz que, antes da ditadura, dom Paulo era um anticomunista "como todos os católicos". Com o golpe de 1964 e a repressão política promovida pela ditadura, o arcebispo mudou de postura e estendeu a mão aos opositores do regime, sem fazer restrições a militantes de esquerda.

No entanto, o religioso, segundo a biógrafa, "nunca se deixou rotular" nem se posicionou ideologicamente. "Ele conversava com todo mundo e nunca se filiou [a partidos]". O arcebispo manteve proximidade, por exemplo, com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).


Via UOL

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