terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Haiti, Zilda Arns e nós - Por Marina Silva

CATÁSTROFES da magnitude da que atingiu o Haiti podem ter dois desdobramentos: o desfecho trágico, sacramentando o fim de um povo ou de uma nação, ou, pelo contrário, um grande recomeço. Já vimos exemplos assim.
Povos foram varridos por cataclismos e guerras. Mas, por outro lado, nações se ergueram mais belas, mais justas, mais fortes, após viverem a mais avassaladora destruição. Podemos citar como exemplo os países atingidos em 2004 por um terrível tsunami, o que levou à maior mobilização de solidariedade global já vista.
As imagens da capital haitiana são de aniquilação e desespero. Mas o espírito de solidariedade que tem condoído as pessoas pelo mundo ante a situação no Haiti aponta para esse outro desfecho, o da reconstrução e do recomeço.
Governos, agências humanitárias, ONGs, igrejas, empresas, doadores e voluntários de todas as nacionalidades se movimentam para salvar os haitianos não só dos efeitos do terremoto mas também da situação de miséria extrema. A onda de solidariedade terá que ser maior do que o abismo em que o Haiti foi lançado. E isso é possível.
A morte, no Haiti, da médica brasileira Zilda Arns, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança, pode apontar para esse recomeço. Morrer no país mais necessitado das Américas, onde lançava sementes de solidariedade, foi o desfecho de sua maravilhosa missão: nesses 27 anos, seu trabalho livrou do fim certo um número incalculável de crianças e mães. Assim, o capítulo final da vida de Zilda Arns pode representar uma espécie de chamado.
Pois quando perdemos alguém com a sua estatura, alguém insubstituível, só há a alternativa de muitos de nós somarem os esforços para manter sua missão em atividade. Simbolicamente, seu exemplo nos une ainda mais com o esforço para mudar a história daquele país.
Inspirador também o heroísmo dos soldados das Forças Armadas brasileiras que atuam na missão de paz das Nações Unidas. Imediatamente após o terremoto, eles já estavam em busca de sobreviventes, arriscando suas próprias vidas.
Não é difícil ouvir pelo Brasil que, se temos tantos problemas, não deveríamos dar tanta atenção a outro país. Mas a verdade é que socorrer o Haiti é responsabilidade de toda a comunidade internacional, e particularmente do Brasil, que lá mantém uma força de paz.
E ajudar vigorosamente o Haiti também nos trará benefícios. Estaremos mais bem preparados para lidar com nossos próprios problemas, tenham eles raiz na desigualdade social ou em causas naturais. Que saibamos responder ao exemplo de Zilda Arns, que, tendo feito tanto aqui, não se esqueceu dos que sofrem em outras nações.

contatomarinasilva@uol.com.br

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