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Criação do Cartaz e Marca - Maria Comunicação
Foto Adenor Godin |
Mauro Duarte sabiamente escreveu:
“-Ninguém ouviu um soluçar de dor no canto do Brasil. Um lamento triste sempre ecoou desde que o índio guerreiro foi pro cativeiro e de lá cantou.”
O “Canto Das Três Raças” narra fielmente à trajetória de luta de um povo que busca ano a ano o seu “lugar ao sol”. Resistência e fé são o referencial norteador dessa etnia massacrada por ações subversivas de preconceito e alienação dos gestores públicos da época. Um pedaço de tronco de árvore e estruturas de metal presas aos tornozelos representava a soberania dos donos de pessoas “de cor”; a assinatura de identificação entre quem era o patrão e quem era o empregado.
Exercícios de fé, experiências com a natureza na extração de cunho homeopático para curar as feridas no corpo ,visíveis aos olhos dos transeuntes da época até que em 13 de maio de 1888 uma “luz” aparece no final de um túnel; uma lei é instituída e a escravidão é divulgada como “extinta” no Brasil.
Não quero aqui entrar em méritos “folclóricos” aos quais a tradição da Cultura Popular se encarregou de fazer. A assinatura de um documento feita por uma pessoa com título monárquico em prol dos desvalidos é utilizado como “jargão” em busca de poder e nomeações para cargos políticos até os dias de hoje. O grande paradoxo desde a assinatura desta lei como artifício da extinção de hábitos escravocratas, é a substituição de palavras por “menções politicamente corretas” e de troncos de madeira e as correntes por “ações judiciais e órgãos federais/municipais/estaduais” para viabilizar a execução dos direitos civis das pessoas da mesma cor da pele. Somos ditos “POVO LIVRE”. Será?
A Irmandade do Rosário dos Pretos completou este mês de setembro 325 anos de existência. Em sua grade de programação comemorativa, um seminário foi viabilizado para os soteropolitanos dos mais diversos segmentos profissionais e religiosos a fim de celebrar e debater temática como Interpretação de Patrimônio Material e Imaterial, a Função Social da Irmandade, os Hábitos na Celebração Festiva nas Cerimônias Fúnebres, Aspectos Jurídicos da Irmandade e as ações coordenadas de estudo sobre a Bíblia e a Negritude em Salvador. Temáticas firmes com função esclarecedora para quem já conhece os trabalhos feitos por uma Irmandade Religiosa Católica de Matriz Africana ou está sendo apresentada a ela pela primeira vez.
Padres, historiadores, gestores sociais, representantes de blocos afros, lideranças comunitárias, pedagogos se fizeram presentes nas mesas de debate e deixou claro o que se faz necessário ser reavaliado pela Gestão Pública para que seus hábitos e tradições religiosos de cunho afrodescendente não sejam extintos. Até aí, a escolha feliz dos palestrantes e mediadores para os três de seminário só contemplou a todos no aprendizado e na abertura de novas parcerias em prol da igualdade racial e tolerância religiosa. Resistência, perseverança e fé.
Richard Sennett, professor de Sociologia da Universidade de Nova York , em seu Livro “ A corrosão do caráter” , afirma que o fracasso da humanidade em sua vida diária é se dá pela prática individualista em seu ambiente de trabalho e com isto é gerado um corte de gastos e à alta rotatividade dos gestores públicos dos mais diversos segmentos. Para o sociólogo, os trabalhadores sobreviventes ficaram mais à espera do próximo golpe do machado que exultantes com a vitória competitiva sobre os demitidos. Trazendo para a nossa realidade, assim está o Brasil hoje e por conseqüência a Bahia. Do que fomos libertados? Do que fomos alforriados? Do que estamos seguros? Do que nos orgulhamos?
Martin Luther King afirmou:
- “O perdão é um catalisador que cria a ambiência necessária para uma nova partida, para um reinício.”
A afirmação deste líder negro que “marchou” em prol da igualdade de direitos raciais em seu país nos toca os ouvidos como de forma semelhante ao que, ano após ano, os Homens de Preto da Irmandade do Rosário dos Pretos vem resistindo fisicamente e espiritualmente há 325 anos. Homens e mulheres “marcham” em busca dos seus diretos e são açoitados não mais pelas chibatadas nos troncos mais pela burocracia de cunho discriminatório ainda existente em nosso tempo e imposto por gestores sem preparo para gerenciar órgãos públicos ligados a cultura do nosso país. A palavra “corrosão” aplicada por Richard Sennett pode ser facilmente utilizada para descrever o que os gestores do IPAC e do IPHAN tem feito desde a sua nomeação ao Patrimônio Histórico Religioso Cultural da Bahia.
A falta de sensibilidade gerencial com os líderes das Irmandades Religiosa de Matriz Africana e os desmandos provenientes da inexperiência e por vezes até o uso dos hábitos freqüentes relevantes a humilhação do povo negro, tem si feito constante nos gabinetes de negociação para reforma de toda e qualquer estrutura arquitetônica que conte a história da Cidade do Salvador. Nossos templos sagrados de fé e devoção enfrentam os “açoites” das manobras perversas de persuasão para a não realização de reformas com o devido respeito que um templo religioso merece.
Anos de dedicação e devoção com necessidades de restauro, ficam a mercê de lideranças sem o menor preparo para lidar com as Comunidades Entorno destes templos construídos com o sangue e o suor destas pessoas. Quem “tombará” o IPAC?Quem “tombará” o IPHAN? A palavra tombar aqui tem como uso funcional do seu significado o enfrentamento, a derrubada, a retirada. Quem o fará?
Esta pergunta é feita por lideranças comunitárias, gestores sociais respeitados, historiadores conceituados, representantes de entidades educacionais, visitantes, empresários do 3° setor e feita também por qualquer indivíduo leigo que transita pelas ruas da cidade de Salvador. O que existe de fato entre a União, o Estado e a Prefeitura que, de forma alienada, permite a depredação gratuita de monumentos históricos “ a olhos nus” na Bahia sem que nenhum deles tenham a decência de “ remover” destes cargos pessoas inaptas para atuar neste setor?
Em 325 anos de existência a Irmandade do Rosário dos Pretos vive a alegria da sua existência e a angustia de serem tratados como “devedores de impostos” ou “meliantes” até que seja entregue a sua matriz localizada no Pelourinho. Até quando passaremos por isso? Até quando a Bahia permitirá a demolição do seu patrimônio vendido em imagens colocadas em folders para turista comprar pacote turístico e se deixará refém destes gestores despreparados.
“Pra Bahia seguir em frente” se faz necessário que ela resista ao tempo e ao caos implantado pelos “novos coronéis” que lotearam a cidade em benefício próprio das verbas de restauro de nosso patrimônio.
por Patrícia Bernardes
Um comentário:
Obrigado Concita!Axé de Paz!
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