quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Mal estar na civilização europeia - Por Armando Almeida


Armando Almeida – doutor em cultura e
 sociedade,  secretário executivo do 
Memorial Darcy Ribeiro

Os atentados da Noruega e os saques na Inglaterra são, fundamentalmente, marcas da Europa contemporânea. São produtos de um tempo e de um lugar.
O terrorista norueguês é produto de uma época. Uma enfermidade social que, assustadoramente, se fortalece e ganha adeptos em boa parte da Europa. Sintetiza e sinaliza, de uma maneira direta, uma posição política contra um “inimigo” e uma realidade que cresceu depois da segunda grande guerra, com o fim do colonialismo europeu na África e Ásia. Quando colonizados invadiram a praia dos colonizadores. E não retornaram. Quando buscavam o modelo de civilização que eles propagandeiam e nos ensinam a admirar, e a desejar. Aquela mão de obra cresceu e se tornou indesejada.

A presença de tantos imigrantes ganhou proporção e complexidade ainda maior com o passar dos anos. A maioria já está na segunda e terceira geração. Aqueles jovens que há alguns anos atearam fogo a muitos carros em Paris, e estes que agora saqueiam e incendeiam Londres, são franceses e ingleses, respectivamente, ainda que de “segunda classe” - rejeitados pelo país que é seu e que têm como sua principal referência cultural. Hoje representam uma parcela significativa da população dos países europeus que mais se destacaram como colonizadores nos últimos séculos deste milênio.
Certamente não foi por acaso que o Brasil foi tão extensivamente mencionado pelo norueguês, citado mais de doze vezes no “manifesto” postado por ele. Positivamente associado, diga-se de passagem, a uma mensagem planetária recheada daqueles aspectos fundamentais que o tal texto rejeita: miscigenação, tolerância religiosa, respeito à diversidade cultural, autodeterminação dos povos, pacifismo etc.
O Brasil foi escolhido como exemplo de uma sociedade sem solução. A miscigenação que nos marca, ao que parece, continua sendo, para alguns, nosso “mal de origem”, tal qual rezava o racismo científico, eurocêntrico e eugenista que no século XIX foi forjado para justificar a dominação europeia sobre estes povos que hoje os incomodam. Num tempo em que a ciência em quase todos os seus formatos era racista.
Breivik busca com a sua atitude fomentar uma cruzada do século XXI, a favor de ações violentas, e a favor de uma guerra contra esses "inimigos" e os europeus “traidores”. Os partidos socialdemocratas parecem cansados e incapazes de apresentar alternativas para o momento. Estão desgastados e são responsabilizados pela crise econômica e pela corrupção.
As ideologias antidemocráticas, aquelas que pregam o uso da força, que trabalham com o medo para se fortalecer, despertam sentimentos e mexem com camadas profundas da subjetividade social. O fascismo foi muito popular, não podemos nos esquecer.
Nota-se a dificuldade em compreender o significado político do atentado. Ou, mais que isto, especialmente a imprensa europeia buscou desqualificá-lo como tal, tamanho o desconforto que causa. A primeira reação dos europeus foi apontar uma organização islâmica, ligada à All kaeeda.  Agora que a ação está assumida pelo autor, um nórdico, que expõe uma ideologia xenófoba, típica da Europa de hoje, estão despolitizando o fato. Passaram a tratá-lo como ato insano, de um autor louco.
A decadência ronda toda a Europa contemporânea. A sua falência econômica mexe com seus valores, e os expõe. A crise da Grécia assusta a todos, porque confirma a fragilidade do modelo. A economia europeia não dá sinais de recuperação e a única referência externa para os europeus, os EUA, também dão sinais de fragilidade extrema. O mundo está às avessas, os Estados Unidos estão na iminência de dar um calote geral. Enquanto isso, países como o Brasil, Turquia, China etc., os bastardos mestiços, negros, mulçumanos, turcos crescem e se tornam potências econômicas.
Parece que assistimos aos estertores de um projeto civilizatório europeu. Um drama que cresce e se aprofunda.
Estes tristes episódios nos impõem uma responsabilidade sem tamanho, nos colocam na linha de frente da defesa de valores democráticos.
Bem que poderíamos representar um mundo onde há lugar para todos!

*Armando Almeida – doutor em cultura e sociedade, secretário executivo do Memorial Darcy Ribeiro.

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