Ruth de Souza não é apenas uma atriz negra batalhadora. É uma grande atriz, matéria bem mais complexa. Consegue condensar no tipo físico, maneira de ser em cena, falar, olhar, portar-se, as densidades e dores dos oprimidos. Se na órbita pessoal é tímida, discreta, ser de nenhuma bulha, em cena alardeia os megatons de eletricidade, magnetismo e comoção inexplicáveis, matéria secreta d'alma e sensibilidade inerente a todo grande criador.
O artista de alta qualidade possui o dom misterioso (carisma) de chegar aos demais sem qualquer explicação mas, também, depois de todas as explicações. Não é necessário saber por que Picasso é grande. Basta ver-lhe um quadro. É imediato. Mas se depois de todas as análises o espectador desejar, também encontrará o artista maior. Não há explicações para os primeiros acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven. Basta ouvi-los. É a certeza de estar diante de um monumento. Mas se quisermos explicações musicais a posteriori também as haverá.
Ruth de Souza possui essa marca divinatória, o carisma. É imediata mas resiste aos embates da mediatez. Diante de seu rosto sabemos estar perante as pulsações pungentes e pingentes do drama de viver. Nele se escondem emoções da sensualidade guardada, das discriminações de todo jaez, dos gritos dos oprimidos. O rosto é expressionista e doloroso; consegue, porém, as iluminações da comédia, embora vocacionado para o sofrimento.
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Artur da Távola
Fonte: Site Museu Afro Brasil onde a atriz é tema de uma exposição temporária sobre sua vida e obra
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