Conta-se que um histórico governante visitou uma importante prisão do país que estava sob seu comando. Curioso sobre o que tinha motivado aqueles prisioneiros a cometerem diferentes tipos de crime, o governante resolveu perguntar aos homens por que eles estavam naquela situação. Um dos criminosos argumentou que estava ali por ter caído em uma armadilha preparada por falsos amigos; outro disse que tinha sido injustamente preso devido a um erro da polícia; já o outro explicou que o juiz tinha cometido um imenso engano ao condená-lo.
O governante olhava para todos eles com um sorriso irônico no rosto, mas nada comentava. Resolveu indagar a um quarto homem sobre as razões para ele estar preso. Para surpresa do governador, esse último disse que foi preso por ter cometido um grave delito e por isto era justa sua prisão. Só nesse momento o governante se dispôs a tecer algum comentário. Ele disse para o administrador da prisão: “Tire logo este homem da prisão, pois senão ele vai contaminar os outros, que são uns pobres inocentes”. O prisioneiro que assumiu sua culpa foi o único que adquiriu a liberdade.
Raríssimas são as pessoas que têm por hábito assumir seus erros. A culpa é sempre do outro. Estou à frente do terreiro/templo Ilê Axé Opô Afonjá, como todos sabem, há muito tempo. Foram muitas expectativas, muitas realizações e, claro, muitas frustrações. Afinal, elas fazem parte da vida. Insisto em não desistir. Por isso, ainda me disponho a fazer reuniões, com filhos e irmãos espirituais, não só para organizar a comunidade da melhor forma possível, mas principalmente para sentir como está a evolução espiritual daqueles que foram confiados a mim por Olorum. É gratificante saber que, apesar de muito trabalho e desgaste, ainda existe nos seres humanos o desejo de continuar trabalhando no sentido de lapidar seus instintos, para que eles possam transformar-se em puras intenções e ações. É frustrante e tedioso, entretanto, perceber que uma característica inerente ao ser humano teima em não se purificar: a permanente atitude de não assumir suas falhas e, pior, gostar de apontar as dos outros. Esse instinto, quando purificado, dá lugar ao sentimento de responsabilidade. Quem não vivenciou as seguintes situações?
Uma mãe pergunta por que os irmãos estão brigando, um aponta para o outro e diz: “Ele me bateu!” Dois coleguinhas de escola vão fazer queixa para a professora e os dois falam ao mesmo tempo: “Foi ele quem começou, pró”. Quando esses comportamentos são infantis, menos mal. O problema é que eles, normalmente, mantêm-se vivos na idade adulta. É realmente um tédio, os anos se passarem, as gerações mudarem e o comportamento de culpar os outros permanecer inalterado.
O ato de “se confessar” sempre foi sagrado para os católicos. Dizer em voz alta os seus próprios erros é uma forma de ouvir suas falhas, poder arrepender-se e, assim, encontrar forças para modificar suas atitudes. A culpa dá, então, lugar à responsabilidade: uma palavra que pode ser definida como um comportamento através do qual se busca enxergar os próprios erros cometidos, para que eles possam ser consertados. Uma pessoa responsável é livre de culpas.
Hoje, dia 12 de setembro, é meu aniversário de iniciada. Completo 73 anos como sacerdotisa de Oxossi. É ao “meu” orixá que imploro que dê força e coragem aos seres humanos para que passem a assumir os seus erros, deixando de escondê-los na figura de outros. É a Oxossi – o caçador de uma flecha só – que peço que com sua única flecha, repleta de amor e compreensão, seja capaz de atingir o coração de muitos homens, para que estes transformem a culpa em responsabilidade; a fraqueza, em consciência; a punição, em piedade. É também a esse orixá provedor, dono de minha cabeça, meu eledá, que rogo que me abasteça de sabedoria para entender a fraqueza de muitos de meus filhos, que ainda não sabem ou não conseguem transformar o complexo em simples, isto é, assumir seus erros, ao invés de transferi-los para o outro. Seria esse o meu melhor presente de aniversário sacerdotal.
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Seus artigos são publicados no jornal A TARDE, quinzenalmente, às quartas-feiras
O governante olhava para todos eles com um sorriso irônico no rosto, mas nada comentava. Resolveu indagar a um quarto homem sobre as razões para ele estar preso. Para surpresa do governador, esse último disse que foi preso por ter cometido um grave delito e por isto era justa sua prisão. Só nesse momento o governante se dispôs a tecer algum comentário. Ele disse para o administrador da prisão: “Tire logo este homem da prisão, pois senão ele vai contaminar os outros, que são uns pobres inocentes”. O prisioneiro que assumiu sua culpa foi o único que adquiriu a liberdade.
Raríssimas são as pessoas que têm por hábito assumir seus erros. A culpa é sempre do outro. Estou à frente do terreiro/templo Ilê Axé Opô Afonjá, como todos sabem, há muito tempo. Foram muitas expectativas, muitas realizações e, claro, muitas frustrações. Afinal, elas fazem parte da vida. Insisto em não desistir. Por isso, ainda me disponho a fazer reuniões, com filhos e irmãos espirituais, não só para organizar a comunidade da melhor forma possível, mas principalmente para sentir como está a evolução espiritual daqueles que foram confiados a mim por Olorum. É gratificante saber que, apesar de muito trabalho e desgaste, ainda existe nos seres humanos o desejo de continuar trabalhando no sentido de lapidar seus instintos, para que eles possam transformar-se em puras intenções e ações. É frustrante e tedioso, entretanto, perceber que uma característica inerente ao ser humano teima em não se purificar: a permanente atitude de não assumir suas falhas e, pior, gostar de apontar as dos outros. Esse instinto, quando purificado, dá lugar ao sentimento de responsabilidade. Quem não vivenciou as seguintes situações?
Uma mãe pergunta por que os irmãos estão brigando, um aponta para o outro e diz: “Ele me bateu!” Dois coleguinhas de escola vão fazer queixa para a professora e os dois falam ao mesmo tempo: “Foi ele quem começou, pró”. Quando esses comportamentos são infantis, menos mal. O problema é que eles, normalmente, mantêm-se vivos na idade adulta. É realmente um tédio, os anos se passarem, as gerações mudarem e o comportamento de culpar os outros permanecer inalterado.
O ato de “se confessar” sempre foi sagrado para os católicos. Dizer em voz alta os seus próprios erros é uma forma de ouvir suas falhas, poder arrepender-se e, assim, encontrar forças para modificar suas atitudes. A culpa dá, então, lugar à responsabilidade: uma palavra que pode ser definida como um comportamento através do qual se busca enxergar os próprios erros cometidos, para que eles possam ser consertados. Uma pessoa responsável é livre de culpas.
Hoje, dia 12 de setembro, é meu aniversário de iniciada. Completo 73 anos como sacerdotisa de Oxossi. É ao “meu” orixá que imploro que dê força e coragem aos seres humanos para que passem a assumir os seus erros, deixando de escondê-los na figura de outros. É a Oxossi – o caçador de uma flecha só – que peço que com sua única flecha, repleta de amor e compreensão, seja capaz de atingir o coração de muitos homens, para que estes transformem a culpa em responsabilidade; a fraqueza, em consciência; a punição, em piedade. É também a esse orixá provedor, dono de minha cabeça, meu eledá, que rogo que me abasteça de sabedoria para entender a fraqueza de muitos de meus filhos, que ainda não sabem ou não conseguem transformar o complexo em simples, isto é, assumir seus erros, ao invés de transferi-los para o outro. Seria esse o meu melhor presente de aniversário sacerdotal.
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Seus artigos são publicados no jornal A TARDE, quinzenalmente, às quartas-feiras
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