segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Artigo - Políticas de cotas raciais ou desatando o nó cego do racismo por Por Rachel Rocha

Racismo aqui, não!
campanha permanente
da Maria Preta
Desde que o Brasil decidiu implementar uma política de ações afirmativas objetivando reparar as perdas históricas de importante parcela da população brasileira, que o assunto cotas aparece, de forma acalorada, nos debates acadêmicos. Na Universidade Federal de Alagoas não é diferente. Professores e alunos se inquietam com o tema e, mais que isso, as reações se exacerbam diante da obrigatoriedade de adequar o universo de vagas às exigências da Lei nº 12.711/2012, que prevê reserva de 50% das vagas ofertadas a estudantes oriundos da escola pública, pretos, pardos e índios. As universidades deverão efetivar a política num prazo de quatro anos, a partir da próxima seleção, com percentuais crescentes de 12,5% ao ano.

Na verdade, o cerco às cotas aperta desde que o Supremo Tribunal Federal declarou ser constitucional esse tipo de ação afirmativa nas universidades. Adepta do sistema de cotas raciais, com recorte social e de gênero desde 2004, a Ufal já reserva, há nove anos, 20% de suas vagas para alunos autodeclarados afrodescendentes e obrigatoriamente oriundos da escola pública. Os efeitos positivos dessa política são imensuráveis, embora devam necessariamente se amparar em dados objetivos. Para isto, avaliação dessa política será realizada no próximo ano, quando completa uma década.

Alguns argumentos presentes nas falas mais resistentes à implantação dessa política afirmativa são recorrentes: o da universalidade dos direitos, por exemplo, e por consequência, o seu corolário: o mérito. A defesa do sistema meritocrático, entretanto, desconsidera a situação de profundas desigualdades no Brasil, entre elas, a de oportunidades, fato que invalida ou qualificanegativamente o mérito como critério. Além do mais, a política afirmativa é uma política que politiza o ambiente acadêmico, produz conhecimento sobre as relações raciais e coloca em xeque (mate) o nó górdio da sociedade brasileira – nosso racismo –, como já notado por alguns pesquisadores do tema.

Os estudiosos das cotas no Brasil defendem, com propriedade, que a política contribui para questionar a perversa associação criada entre cor e função social, possibilitando que tenhamos mais professores, juízes, médicos, engenheiros – jovens pretos e índios qualificados e competentes. Sabe-se que o nível de escolaridade é uma variável determinante nos índices de desigualdade de renda, e que o Brasil continua sendo um país onde o diploma de nível superior favorece enormemente a inclusão profissional do jovem – aliás, esta, uma herança “branca”, de valorização bacharelesca que valora e hierarquiza trabalho braçal e trabalho intelectual.

Enquanto instituição de formação superior, comprometida com a produção e com a universalidade do conhecimento, a Ufal aposta nas cotas como um poderoso acelerador do necessário e urgente encurtamento das distâncias educacionais existentes entre pretos e brancos no Brasil, pois acredita na missão educativa e na real possibilidade de termos, no prazo de algumas décadas, esses mesmos jovens alcançando, por meio da formação profissional, ascensão, respeito, inclusão e visibilidade social.
RACHEL ROCHA - Antropóloga, pesquisadora da cultura afro-brasileira e vice-reitora da Ufal

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