quarta-feira, 24 de setembro de 2014

“Pesquisas sempre falam do passado”, diz Mauro Paulino nos 30 anos do Datafolha

Christh Lopes

Em 1983, uma pesquisa sobre o medo dos paulistanos figurava nas páginas do jornal Folha de S.Paulo. A manchete destacava os assaltos com uma das maiores preocupações da população. Embora o tema ainda seja pauta da agenda pública da cidade, o instituto Datafolha foi se aperfeiçoando e hoje é essencial na análise da ótica do brasileiro sobre diferentes temas. 

Crédito: Reprodução
Criado a partir de uma necessidade do jornal, o Datafolha mantém uma relação amistosa com a redação. À IMPRENSA, o diretor-geral da empresa, Mauro Paulino, revela que há uma interação entre os dois setores, sendo um dos grandes propulsores do sucesso do instituto. 

Segundo Paulino, as “pesquisas sempre falam do passado”, mas o instituto aposta na tecnologia para o futuro. “O DNA do Datafolha passa pela busca do jornalismo, por uma informação útil aos cidadãos. A partir disso se desenvolveram estratégias para unir a ciência estatística e o rigor metodológico às necessidades jornalísticas do jornal, que são a agilidade, a coleta de informações, e o faro jornalístico, para saber exatamente o timing certo para investigar cada um dos assuntos”.

O exemplo mais recente desta relação foi a última pesquisa sobre o cenário eleitoral após a morte do candidato à presidência Eduardo Campos, divulgada quatro dias após o falecimento do político. No mesmo dia da morte do ex-governador de Pernambuco, o instituto registrou o questionário da pesquisa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “A pesquisa de campo ocorreu na quinta e na sexta-feira e já tínhamos o resultado neste dia. Só não pudemos publicar na própria sexta na internet, porque a lei eleitoral não permite”, revela Paulino.

A legislação atual exige que uma pesquisa eleitoral seja registrada cinco dias antes da divulgação. O fato é refutado pelo sociólogo. Para ele, o aspecto da lei limita o exercício jornalístico da pesquisa e incentiva e proporciona a especulação, tanto nos meios políticos quanto nos financeiros. “Porque a partir do momento que um grande instituto, como o próprio Datafolha, registra uma pesquisa no TSE, começam as especulações sobre os resultados que essas pesquisas trarão. E esses resultados certamente têm influência tanto política quanto no comportamento da Bolsa de Valores”, diz.

Nestas eleições, pesquisas foram vazadas pela imprensa antes da divulgação oficial. Em março deste ano, por exemplo, o jornalista Lauro Jardim, que assina a coluna na Veja, publicou um levantamento do Ibope que apontava o crescimento de todos os principais candidatos, antes do anúncio do instituto. Sobre o tema, Paulino diz que toma muito cuidado para que erros como este não aconteçam. “É um bem dos contratantes da pesquisa. É algo muito valioso para quem divulga e não pode vazar, principalmente para o mercado financeiro, que busca [estes dados] com avidez. Por isso tomamos uma série de cuidados. Um deles é divulgar o resultado logo que apurado”. 

A medida é tomada em casos como os levantamentos encomendados pela Rede Globo. A pesquisa é divulgada no próprio dia em que é fechada. Horas após o fechamento, os resultados são entregues ao respectivo contratante. Entre os que mantêm uma parceria com o instituto, está o Grupo RBS, a RPC no Paraná e o jornal O Povo, em Fortaleza, além da Folha de S.Paulo. “No caso dessa última pesquisa, excepcionalmente, o resultado estava pronto na sexta-feira e como estávamos impedidos de divulgar, ficamos com ela guardada até o momento posterior de divulgação, que foi na segunda-feira. No domingo, o jornal teve acesso aos números. Antes disso, ela ficou guardada no Datafolha”.

Critérios e erros no jornalismo

Os critérios definidos para cada pesquisa do Datafolha seguem na contramão de seu concorrente direto, o Ibope. Em palestra no Congresso da Abraji, a diretora Márcia Cavallari afirmou que mais de 80% de seus levantamentos são realizados em domicílios. Ao comentar o conflito de métodos, Paulino ressaltou que cada um utiliza o que considera ser o mais adequado para o que está sendo avaliado. “Realizamos pesquisas utilizando os mais diversos métodos nos seus levantamentos de mercados e de opinião pública. Fazemos pesquisas de rua, domiciliares, por telefone, por internet, mas em pesquisas eleitorais, o Datafolha prefere adotar o método de ponto de fluxo, por abordar pessoas nas ruas, porque cada vez se torna mais difícil você ter acesso direto às residências”. 

Em razão dessas dificuldade, Paulino conta que o Datafolha desenvolveu um método próprio e muito rigoroso, que permite a abordagem das pessoas nas ruas, de forma que obtenha o mesmo rendimento que as pesquisas domiciliares, mas com a vantagem de ter acesso facilitado a todas as camadas da sociedade. "A pesquisa fica mais ágil”, completa. 

Como o jornalista prima pela agilidade, a pressa pode atrapalhar a maneira como essas pesquisas são analisadas "Jornalistas pecam na hora de interpretar os dados. Para evitar os erros, uma boa dica é acessar o manual de orientação de pesquisas de opinião pública produzido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquis (ABEP)", orienta o diretor do Datafolha;

Neste manual há algumas recomendações básicas na leitura dos dados. “Primeiro, prestar muita atenção na data em que a pesquisa foi realizada e sua abrangência; pois quando uma pesquisa é feita apenas em dez capitais, por exemplo, ela não pode ser tratada como de nível nacional, não pode se dizer que o resultado se refere aos brasileiros. Precisa saber exatamente o que a pesquisa representa”, ressalta. 

Singularidades da corrida eleitoral

Embora apresente cenários parecidos com os de 2010 neste momento, quando à época Dilma Rousseff, Marina Silva e um candidato do PSDB lideravam as intenções de voto, a corrida eleitoral de 2014 apresenta algumas singularidades e a que mais chama a atenção é a divisão de classes. 

“Quando observamos o perfil de cada uma das candidaturas, percebemos que o Brasil está dividido entre aqueles que são mais favoráveis aos governos petistas, que são aqueles eleitores mais pobres e menos instruídos, residentes em cidades menores, mais do interior do país do que dos centros urbanos, enquanto principalmente a candidatura do Aécio Neves tem uma característica de eleitores mais elitizados residentes em grandes centros urbanos... Tal característica se tornou decisiva na eleição”. 

30 anos de história e polêmicas 

O surgimento do Datafolha foi uma novidade, tanto para os jornais quanto para os políticos, que aos poucos tinham de se adaptar à ferramenta que fornecia embasamento para análises sobre o comportamento do brasileiro. “Atualmente, não fazemos só pesquisas de opinião, mas também uma série de levantamentos estratégicos de mercado para todas as empresas e unidades de negócio do Grupo Folha. Além da importância como provedor de conteúdo, contribuímos no planejamento”, diz Paulino.

Na véspera da primeira pesquisa para a Prefeitura de São Paulo, uma polêmica decisão impediu que o levantamento do instituto fosse divulgada pela Folha de S.Paulo. Em tom de ironia, frequente no período do regime militar, o jornal tirou de letra a situação e divulgou o resultado de maneira cifrada, na forma de um mapa astral. 

No dia 12 de novembro de 1985, a capa do diário destacasse “o astral dos candidatos”. “Os astros não mentem jamais. Por isso a Folha resolveu consultar o firmamento, no domingo passado, cotejando as estrelas com os astros regentes dos três principais candidatos a prefeito de São Paulo”, dizia a capa disponibilizada no acervo do jornal. 

No início da década de 90, o Datafolha lançou o levantamento anual sobre as marcas mais lembradas pelos brasileiros, o Top of Mind. Em seguida, criou uma série de serviços que hoje complementam os inúmeros métodos de pesquisa. Confira a cronologia que marca a trajetória do instituto Datafolha no infográfico do site da Folha de S.Paulo. 

Perspectivas de futuro 

O sociólogo e diretor-geral do instituto Datafolha, Mauro Paulino, destaca como fundamental para o sucesso do trabalho desenvolvido ao longo dos levantamentos a reavaliação e o aperfeiçoamento dos métodos desde então. “Era impensável, há 26 anos, que hoje seria possível usar tablets no lugar de questionários de papel e que os pesquisadores pudessem transmitir diretamente do campo os resultados colhidos em tempo real. Isso permite uma maior agilidade e uma maior segurança na coleta de dados, porque a gente consegue fazer um controle também do trabalho deles on-line e já implementá-los. Então, esse é um exemplo de avanço na aplicação dos métodos”. 

Para o futuro, o executivo espera uma melhora na relação entre o instituto e seus divulgadores, com quem divulga os resultados de suas pesquisas. Neste caso, seria importante estabelecer uma compreensão mais forte sobre suas diretrizes. “Ela não pode ser projetada para o futuro, mesmo que este seja o dia seguinte. Uma pesquisa na véspera das eleições pode ter sido feita antes de um debate ou de uma fala de um candidato de última hora, ou antes mesmo de sua própria divulgação". 

"A concentração de informação nos últimos momentos também pode mudar o voto de uma parcela do eleitorado. Se cobra muito dos institutos para que haja uma antecipação, uma projeção dos resultados. Mas, na verdade, ela sempre fala do passado, de algo que já aconteceu”, conclui.

* Com supervisão de Vanessa Gonçalves


Fonte: Portal Imprensa 

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