Relatório da Anistia Internacional alerta sobre agravamento da crise na segurança pública no Brasil
Documento aborda homicídios, violência policial, tortura, precariedade do sistema prisional e agressões contra jornalistas
POR CÁSSIO BRUNO
Anistia Internacional do Brasil em ato de solidariedade à família de Amarildo - Elisângela Leite/Anistia Internacional |
RIO - O relatório anual da Anistia Internacional, divulgado na noite nesta terça-feira, alerta sobre a crise na segurança pública brasileira. Segundo o documento “O Estado dos Direitos Humanos no mundo”, que será lançado oficialmente nesta quarta-feira, os altos índices de homicídios no país, a violência policial, a tortura, a precariedade do sistema prisional e as agressões contra jornalistas foram os principais fatores que contribuíram para agravar a avaliação realizada pela organização.
Nas 10 páginas do capítulo referente ao Brasil, o relatório faz uma retrospectiva dos acontecimentos de 2014 e alguns destaques de 2013, como os protestos que antecederam a Copa do Mundo. Para a Anistia Internacional, “centenas de pessoas foram cercadas e detidas de modo arbitrário, algumas com base em leis de combate ao crime organizado, mesmo sem qualquer indicação de que estivessem envolvidas em atividades criminosas”.
A organização cita as “424 pessoas mortas pela polícia durante operações de segurança no Rio de Janeiro em 2013”. Entre os casos lembrados estão o do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, morto em abril do ano passado na favela Pavão-Pavãozinho, e do pedreiro Amarildo de Souza, na Rocinha, torturado até a morte por policiais, além de uma chacina ocorrida em Belém do Pará.
- O Mapa da Violência contabiliza 56 mil homicídios por ano Brasil. Estamos caminhando para os 60 mil. Pelo menos 30 mil são assassinatos de jovens, entre 15 e 29 anos, a maioria negros. É como se, a cada dois dias, derrubassem um avião lotado de jovens - afirmou Átila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil.
Segundo Roque, o objetivo do relatório é apontar os principais desafios dos direitos humanos:
- Queremos chamar a atenção dos estados e da sociedade.
O documento “O Estado dos Direitos Humanos no mundo”, que será enviado a presidente Dilma Rousseff, lembra das condições das prisões no país, como o da penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, onde 78 detentos foram assassinados entre 2013 e outubro do ano passado.
“Superlotação extrema, condições degradantes, tortura e violência continuaram sendo problemas endêmicos nas prisões brasileiras. Nos últimos anos, vários casos relativos às condições prisionais foram encaminhados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à Corte Interamericana de Direitos Humanos, enquanto a situação nos presídios continuava preocupante”, diz o texto.
Os ataques à liberdade de expressão mereceram destaque. A Anistia lembrou dos 18 jornalistas agredidos no exercício da profissão no período da Copa do Mundo em cidades como Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza. A organização citou a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um explosivo durante uma manifestação.
Os conflitos por disputas de terras e direitos dos povos indígenas também estão no documento da Anistia Internacional, assim como a violência contra homossexuais.
"Em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução autorizando o casamento entre pessoas do mesmo sexo, após uma decisão similar do Supremo Tribunal Federal em 2011. No entanto, lideranças políticas e religiosas continuaram a fazer frequentes declarações homofóbicas. Políticos conservadores vetaram as iniciativas do governo federal de distribuir materiais de educação em direitos humanos nas escolas com o fim de conter a discriminação motivada pela orientação sexual. Crimes de ódio homofóbicos ocorreram com frequência. Segundo a ONG Grupo Gay da Bahia, 312 pessoas foram mortas em crimes de ódio homofóbicos ou transfóbicos em 2013", ressalta a Anistia.
O documento faz recomendações para tentar minimizar o problema. Entre elas, estão a elaboração de um pano nacional de metas para a redução imediata dos homicídios; a desmilitarização e a reforma da polícia, estabelecendo mecanismos efetivos de controle externo da atividade policial, e a implementação de um programa de defensores de direitos humanos, que proteja lideranças nos campos e nas cidades e promova ampla discussão sobre a origem das violações.
Procurado pelo GLOBO nesta terça-feira, o Ministério da Justiça não quis comentar o relatório divulgado pela Anistia Internacional. O ministério alegou que, por enquanto, não teve acesso ao conteúdo.
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE
A Anistia Internacional, por sua vez, lembrou da importância do papel da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criado pelo governo Dilma. Na conclusão dos trabalhos, após dois anos e meio de investigação, a CNV listou 434 nomes de vítimas da ditadura militar, sendo 191 mortos, 208 desaparecidos e 35 desaparecidos cujos corpos tiveram seu paradeiro posteriormente identificado.
“O estabelecimento da Comissão Nacional da Verdade suscitou grande interesse público pelas violações de direitos humanos cometidas no período da ditadura de 1964-1985. Sua criação levou ao estabelecimento de mais de 100 comissões da verdade em estados, cidades, universidades e sindicatos. Essas comissões se ocuparam da investigação de casos como o desaparecimento forçado do então deputado Rubens Paiva em 1971”, diz o documento.
A versão internacional do relatório aborda ainda um diagnóstico sobre a situação dos direitos humanos em 160 países, com destaque para os conflitos entre grupos do Estado Islâmico e o Boko Haram, desencadeando, segundo o documento da Anistia Internacional, crises humanitárias e o crescimento do extremismo religioso, entre outros fatores.
Fonte: O Globo
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