domingo, 23 de agosto de 2015

A herança religiosa da “Mãe África”

Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite*
                                                                                         

“A Ciência sem a Religião é manca, a Religião sem a Ciência é cega”
Albert Einstein

Estudar as religiões de matriz africana e seu universo ritualístico representa um mergulho num passado secular na história do Brasil. Existe uma diversidade ritualística do culto aos orixás entre as diferentes regiões do nosso país, embora toda a tradição provenha da “Mãe África”. Os orixás atravessaram o Oceano Atlântico dentro do coração do negro escravizado, sendo a religiosidade uma das formas de sua resistência cultural. 
Em recente pesquisa na Universidade de Emory, em Atlanta, foi registrado 4,8 milhões de escravizados que vieram para o Brasil. A caminho do Rio de Janeiro, que era a porta principal de entrada de navios negreiros, 300 mil morreram e tiveram o mar como sepultura.    

Tratados como mercadorias, os escravos eram transportados nos tumbeiros (navios negreiros), nos quais se misturavam negros de diferentes locais da África, falando dialetos diversos. Esta era a forma de dificultar a comunicação, enfraquecer a sua identidade cultural, enquanto grupo étnico, visando a anular qualquer articulação de insurreição, durante o transporte, ou uma fuga em massa. O tratamento desumano e o sofrimento dos escravizados, nestas embarcações, foram denunciados no épico poema “Navio Negreiro” do Castro Alves (1847-1871).  Este clássico de nossa Literatura registra a situação de dor e maus tratos dos africanos que eram tirados da sua terra e trazidos para o Brasil na condição escravizados. Segue, abaixo, uma estrofe desta obra ícone da poesia brasileira que, atravessando gerações, continua a encantar por sua temática e qualidade literária.

V

“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! “
                                                    

No Brasil, seus orixás foram sincretizados com os santos católicos, para driblar a cultura dominante branca e cristã, a exemplo de Yemanjá associada à Nossa Senhora dos Navegantes. Este capítulo da nossa história é do conhecimento da grande parte dos interessados no estudo da cultura afro-brasileira, porém a questão que se deve estar atento, nesse processo de aculturação, é a forma como tem sido tratada esta herança religiosa, legada pelos ancestrais africanos. Infelizmente, não generalizando, percebemos em nosso cotidiano o mercantilismo desrespeitoso e de má fé, que se apropria desta tradição milenar que atravessou o Oceano Atlântico e plantou as suas raízes em solo brasileiro.
     

A mistura dos grupos étnicos, oriundas de diferentes regiões da África, torna este resgate histórico bastante difícil, embora o empenho dos pesquisadores, ligados, principalmente, às áreas da História e da Antropologia. O Batuque ou Nação dos Orixás, como é conhecido no Rio Grande do Sul, tem suas raízes nos cultos dos povos da Costa da Guiné e da Nigéria representado pelas nações Jêje, Ijexá, Oyó, Cabinda e Nagô. O Batuque não possui um livro escrito de cunho sagrado, a exemplo da Bíblia, que foi a primeira obra impressa, em 1455, a partir da prensa criada pelo alemão Gutenberg. Na inexistência de um registro escrito, o conhecimento, baseado na tradição oral, constituiu-se num canal de perpetuação das religiões de matriz africana até os dias de hoje, ainda que tenham ocorrido adaptações no culto ao longo do tempo. [1]


É notório que os interesses econômicos invadem os “terreiros” que representam o espaço sacralizado de uma cultura e a sua forma de comunicação com o Divino ( Orum), transformando o culto aos orixás numa simulação para "Inglês ver”. O sagrado não pode ser banalizado, na forma de um grande pregão, no qual tudo se vende, incluindo felicidade. Diante desse quadro, faz-se urgente uma análise crítica e reflexiva quanto aos reais valores cultivados pela  tradição africana, pois estes fazem parte do cadinho, no qual se formou o povo brasileiro marcado pela diversidade cultural de vários brasis. 
Kolofé Olorum!  (Deus nos abençoe).

                                                      Pesquisador e Coordenador do setor de imprensa do Musecom*

  Bibliografia:
 
 FERREIRA, Walter Calixto (Borel). Agô-iê, vamos falar de orixás. Porto Alegre: Renascença, 1997.
  CORREA, Norton Figueiredo.  O Batuque do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 1992.
   ORO, Ari. Religiões Afro-brasileiras do Rio grande do Sul: Passado e presente. Estudos Afro-Asiáticos vol. 24, nº 02, Rio de Jane

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