Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite*
“A Ciência sem a
Religião é manca, a Religião sem a Ciência é cega”
Albert Einstein
Estudar as religiões de matriz africana
e seu universo ritualístico representa um mergulho num passado secular na
história do Brasil. Existe uma diversidade ritualística do culto aos orixás
entre as diferentes regiões do nosso país, embora toda a tradição provenha da
“Mãe África”. Os orixás atravessaram o Oceano Atlântico dentro do coração do
negro escravizado, sendo a religiosidade uma das formas de sua resistência
cultural.
Tratados
como mercadorias, os escravos eram transportados nos tumbeiros (navios
negreiros), nos quais se misturavam negros de diferentes locais da África,
falando dialetos diversos. Esta era a forma de dificultar a comunicação,
enfraquecer a sua identidade cultural, enquanto grupo étnico, visando a anular
qualquer articulação de insurreição, durante o transporte, ou uma fuga em massa.
O tratamento desumano e o sofrimento dos escravizados, nestas embarcações,
foram denunciados no épico poema “Navio Negreiro” do Castro Alves (1847-1871). Este clássico de nossa Literatura registra a
situação de dor e maus tratos dos africanos que eram tirados da sua terra e
trazidos para o Brasil na condição escravizados. Segue, abaixo, uma estrofe
desta obra ícone da poesia brasileira que, atravessando gerações, continua a encantar
por sua temática e qualidade literária.
V
“Senhor
Deus dos desgraçados!
Dizei-me
vós, Senhor Deus!
Se
é loucura... se é verdade
Tanto
horror perante os céus?!
Ó
mar, por que não apagas
Co'a
esponja de tuas vagas
De
teu manto este borrão?...
Astros!
noites! tempestades!
Rolai
das imensidades!
Varrei
os mares, tufão! “
No Brasil, seus orixás foram sincretizados com os
santos católicos, para driblar a cultura dominante branca e cristã, a exemplo
de Yemanjá associada à Nossa Senhora dos Navegantes. Este capítulo da nossa
história é do conhecimento da grande parte dos interessados no estudo da
cultura afro-brasileira, porém a questão que se deve estar atento, nesse
processo de aculturação, é a forma como tem sido tratada esta herança
religiosa, legada pelos ancestrais africanos. Infelizmente, não generalizando,
percebemos em nosso cotidiano o mercantilismo desrespeitoso e de má fé, que se
apropria desta tradição milenar que atravessou o Oceano Atlântico e plantou as
suas raízes em solo brasileiro.
A mistura dos grupos étnicos, oriundas de
diferentes regiões da África, torna este resgate histórico bastante difícil,
embora o empenho dos pesquisadores, ligados, principalmente, às áreas da
História e da Antropologia. O Batuque ou Nação dos Orixás, como é conhecido no
Rio Grande do Sul, tem suas raízes nos cultos dos povos da Costa da Guiné e da
Nigéria representado pelas nações Jêje, Ijexá, Oyó, Cabinda e Nagô. O Batuque
não possui um livro escrito de cunho sagrado, a exemplo da Bíblia, que foi a
primeira obra impressa, em 1455, a partir da prensa criada pelo alemão
Gutenberg. Na inexistência de um registro escrito, o conhecimento, baseado na
tradição oral, constituiu-se num canal de perpetuação das religiões de matriz
africana até os dias de hoje, ainda que tenham ocorrido adaptações no culto ao
longo do tempo. [1]
É notório que
os interesses econômicos invadem os “terreiros” que representam o espaço
sacralizado de uma cultura e a sua forma de comunicação com o Divino ( Orum),
transformando o culto aos orixás numa simulação para "Inglês ver”. O
sagrado não pode ser banalizado, na forma de um grande pregão, no qual tudo se
vende, incluindo felicidade. Diante desse quadro, faz-se urgente uma análise
crítica e reflexiva quanto aos reais valores cultivados pela tradição africana, pois estes fazem parte do cadinho,
no qual se formou o povo brasileiro marcado pela diversidade cultural de vários
brasis.
Kolofé Olorum! (Deus nos abençoe).
Pesquisador e
Coordenador do setor de imprensa do Musecom*
Bibliografia:
FERREIRA, Walter Calixto
(Borel). Agô-iê, vamos falar de orixás. Porto Alegre: Renascença, 1997.
CORREA, Norton
Figueiredo. O Batuque do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 1992.
ORO, Ari. Religiões
Afro-brasileiras do Rio grande do Sul: Passado e presente. Estudos
Afro-Asiáticos vol. 24, nº 02, Rio de Jane
http://yalorixamaedenisedeoya.blogspot.com.br/2011/09/falando-de-religiao.html
acessado em 22/08/2015
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