segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Por que a BBC faz os melhores programas sobre o mundo natural?

Há quase seis décadas a rede inglesa é referência nesse tipo de programação. A chave de seu êxito: entreter sem abdicar do rigos científico e da inovação
CAÇA AO TESOURO - Um urso à procura da próxima vítima em The Hunt: o duro desafio da sobrevivência em um mercado com predadores de peso(OLLY SCHOLEY/VEJA)
Em uma sala da Unidade de História Natural da BBC, na cidade inglesa de Bristol, o produtor com jeito de nerd exibe seu novo campo de batalha intelectual. No quadro coberto de rabiscos sobre várias espécies, de pinguins a chimpanzés, uma anotação surge em realce: "Dynasty = Game of Thrones animal". Com lançamento provável em 2018, Dynasty (Dinastia) vem a ser a próxima superprodução sobre bichos de um dos maiores especialistas mundiais na matéria. Já a menção à série de fantasia da HBO entrega aquilo que o produtor Mike Gunton quer oferecer no futuro programa. "Vamos seguir os passos de diversos clãs animais para mostrar que a luta pelo poder na natureza tem lances tão espetaculares quanto os que se veem na ficção", diz Gunton. A cena flagrada por VEJA na maior central de produção de documentários sobre natureza do planeta diz mais do que se suspeitaria sobre o gênero. Ao longo de quase sessenta anos, tais programas evoluíram dos monótonos registros em preto e branco de leões na savana a uma profusão de subgêneros que vai dos reality shows a produções com padrão hollywoodiano. A concorrência tornou-­se feroz: desde a tradicional sociedade americana National Geographic até canais como o Discovery e seu derivado Animal Planet, passando pela Disney, inúmeras potências disputam hoje um naco do segmento lucrativo. O serviço de vídeos on demand Netflix já anunciou que nos próximos anos vai entrar no jogo. Mas é a BBC que continua ditando o padrão-ouro de inovação e credibilidade na seara. Os brasileiros ganharão um apanhado de suas 150 horas de produção anual sobre o tema com a chegada do canal BBC Earth a várias operadoras a partir de 1º de setembro. Para além da quantidade, os documentaristas da BBC revelam-se imbatíveis na alquimia complexa de fazer da observação dos bichos uma fonte de entretenimento.

Uma grande produção da rede inglesa, como Planeta Terra (2006), chega a atrair audiência global na casa dos 500 milhões de pessoas. No Brasil, um estudo da própria BBC mostra que 55% dos espectadores entre 16 e 65 anos veem com frequência atrações do gênero. Mas, ao mesmo tempo em que a empatia atávica dos humanos pelos bichos é um chamariz irresistível, a exploração continuada do tema amplia os desafios para cativar o público. É raríssimo aparecer uma nova espécie para mostrar no ar. "Quando aparecem, são no máximo insetos e outros bichos nada carismáticos", diz Wendy Darke, chefe da unidade de documentários naturais da BBC. Os produtores têm de arrancar leite de pedra, pois os enredos não são numerosos: feras saindo à caça, aves em busca de filhotes desgarrados, e por aí afora.

Some-se a isso uma injunção dos tempos atuais: para atrair a juventude ligada nos videogames e reality shows, muitos canais não resistem à tentação de abusar dos expedientes heterodoxos. Um certo naturalismo radical que preconiza a aproximação perigosa com bichos selvagens entrou em baixa depois que o apresentador australiano Steve Irwin, do programa O Caçador de Crocodilos, levou uma ferroada fatal de uma arraia, em 2006 . Mas empreitadas duvidosas ainda vicejam. Meses atrás, o Discovery americano exibiu Eaten Alive, documentário em que o apresentador Paul Rosolie, metido em uma roupa especial, se propunha a ser devorado por uma sucuri. A acusação de maus-­tratos ao réptil, assim como a enganação contida no título (Rosolie era apenas atacado pela cobra), causou estrago à imagem do Discovery. "Jamais faríamos algo assim. Não queremos acabar nos tabloides", diz Wendy Darke. O Animal Planet também ultrapassou a fronteira que separa entretenimento de empulhação ao dar a entender, em um programa de "história natural", que sereias existem.
Fonte: Veja

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