terça-feira, 20 de setembro de 2011

Presidente do Olodum diz que baianos estão isolados do mundo, e que Salvador vai ficando para trás em relação a outras cidades mundiais


João Jorge     Foto: Maria Preta
  Em entrevista exclusiva ao BJÁ o presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues, comentou que Salvador está embevecida com a Copa 2014, mas, em termos de pensamento e modernidade  não acompanha os passos do que acontece no planeta. "Nós, baianos, de uma forma geral estamos muito isolados do mundo e alguns ainda continuam com os paradigmas conceituais anteriores à queda do muro de Berlim, em 1989".

  Entende o presidente do Olodum que esse "ufanismo da terra da felicidade é um mito" que necessita ser repensado ainda que, tem sentido como reforço à auto-estima da população, "uma espécie de passaporte". Destaca, no entanto, que o furo é bem mais embaixo, há uma necessidade de afirmar-se Salvador e a Bahia como locais que trabalham a igualdade, e a questão posta no conceito universal não é ser baiano ou gaúcho, mas, "ser cidadãos do mundo".

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João Silva ganhou o mundo

E a baianada, na concepção de João Jorge, está gastando energia sem a devida contrapartida, Salvador vai ficando para trás em relação a outras cidades mundiais, há uma apatia nos debates, alguns conceitos estão repetitivos e desgastados, como a pregação contra o racismo, mas, ainda assim, sente-se otimista. Admite que existe um grupo suprapartidário que debate e pratica a igualdade, "que é um conceito mais amplo e que abrange todos os valores da sociedade".


  Trata-se de um trabalho longo, demorado, e que só deverá dar os primeiros frutos mais objetivos a partir de 2015. "Nós estamos adotando os modelos da África do Sul, Angola e Moçambique de praticar a igualdade com a sociedade funcionando. Foi assim que Nelson Mandela acabou o "apartheid" e seguiu com a África do Sul operando, integrando o que já tinha e ampliando suas ações, e, hoje, é um país emergente, e não mais isolado do mundo".

   Filiado ao PSB  e com projeção organizada de ser candidato a prefeito de Salvador, não em 2012 porque seu projeto está sendo planejado a médio-prazo e a senadora Lídice da Mata e o deputado capitão Tadeu, hoje, se situam à sua frente, admite que organiza esse projeto e vê chances de sucesso pois a população de Salvador quer ouvir a voz de uma representação negro-mestiça.

Sem entrar no mérito das questões partidárias próprias, até situando que o Olodum tem uma posição de independência em relação a partidos políticos, vê a posição do PCdoB em lançar Alice Portugal pré-candidata a prefeita de Salvador como esdrúxula. "O nome mais apropriado seria da vereadora Olivia Santana, mais próxima da população de Salvador, assim como no PT deveria ser o deputado Luis Alberto", comenta.

João Jorge tem uma visão bastante objetiva sobre Salvador , uma cidade que está sem diretriz programática, sem eixo, sem um projeto, acontecendo uma coisa aqui; outra acolá e assim por diante. "O único lugar no mundo onde se coloca placas de propaganda nas ruas do administrador municipal falando em banho de luz e banho de asfalto, obrigações básicas de qualquer gestão".

  Presidente do Olodum há anos e seu fundador diz ao BJÁ, com orgulho, que o grupo cultural que dirige é o maior fenômeno brasileiro no exterior depois de Gilberto Gil. 

Já realizou excursões por 37 países, participou de  4 Copas do Mundo incluindo as aberturas da Copa da África do Sul, em Johannesburgo e Durban, em 2010. Além disso, contabiliza o feito histórico de trazer o maior ídolo pop mundial a Bahia, Michael Jackson, o qual incorporou a marca do Olodum em seu "cliping" visto por milhões de pessoas em todo mundo, no cenário Salvador.

Ainda assim, e com uma escola onde oficinas permanentes são ministradas a 360 crianças e adolescentes sente falta de apoio ao Olodum, de empresas e do governo, e luta para que uma praça sub-utilizada no adro do estacionamento do Pelourinho seja incorporada ao projeto Olodum, o que ajudaria e muito a movimentar o Pelô. JJ diz que à hora não é de queixas e sim de ações. E que não vai ficar a vida toda reclamando porque as condições dos negros na Bahia, na atualidade, são melhores do que no passado.

Nada relacionado especificamente a este ou aquele governo, mas, dentro de um processo que vem sendo conquistado com muita luta, as cotas nas universidades, a ocupação de espaços públicos com heróis negros locais, a afirmação da consciência e assim por diante.

VEJA ALGUNS PONTOS DO PENSAMENTO
DO PRESIDENTE DO OLODUM

Sobre o Pelourinho: 

- Virou um gueto. Estamos isolados. Meu pai quando morava na Rua do Bispo ia a Chile e aos outros locais andando e tinha uma relação de convivência com as pessoas. Hoje, só quem freqüenta o Pelourinho somos nós mesmos e os turistas. Há um isolamento do Pelourinho com o resto da cidade.

Sobre a violência: 

É assustadora. Vi  a mobilização de parte da sociedade porque um músico foi baleado. Mas, no último final de semana foram assassinadas 22 pessoas e ninguém fez nada. Há uma submissão à violência.

Sobre a falta de recursos às entidades negras: 

- Eu, Vovô (diretor do Ilê Aiyê) vivemos eternamente saltando obstáculos. O Correios tem 114 projetos de apoio no Brasil e só um para negros. O Banco do Brasil apoiou Claudia Leitte e Daniela Mercury no Carnaval. Não trabalham com blocos afros. A Ford apóia o Camaleão.

Sobre a derrubada das barracas de praias sem alternativas às pessoas: 

- Muita gente está mirando ou migrou para o tráfico de drogas.

Sobre os heróis da Revolta dos Búzios: 

- São poucos reconhecidos. O bairro do Beiru onde nasceu um deles virou Tancredo Neves (!) e a PM baiana tem como patrono Tiradentes quando deveria ser Luis Gonzaga das Virgens.

Sobre a Bahia e o mundo negro: 

- Estamos muito atrasados em relação aos Estados Unidos e a África do Sul. Não temos classe média negra na Bahia e isso é fundamental. Martinh Luther King era classe média nos EUA lá atrás, anos 1960. Depois de 50 anos é que a Bahia instalou um novo curso de medicina. No Brasil faltam lideres negros com visão de estadista, com uma visão mais ampla.

Sobre os partidos políticos e os negros: 

- Nós operamos mais nos chamados partidos de esquerda e ainda somos excluídos. Não consegui ser candidato a senador no PV e avisei a Marina Silva que o PV não tem projeto algum e iria usar ela como usou. Quando aconteceu sua saída liguei para ela para comentar. Os partidos têm que entender a nossa representatividade. O PT prefere colocar Pelegrino para prefeito de Salvador quando tem Valmir Assunção e Luis Alberto. O PCdoB coloca Alice Portugal quando tem Olivia Santana. Obama operou bem dentro do Democrata e foi acolhido. Mandela organizou um partido com diferentes pessoas e tem o comando. 

Sobre a candidatura de Mário Kértész a prefeito, em 2012: 

- É um candidato velho com o sentido de novo. Velho na expressão da palavra porque já foi prefeito, mas, tem sentido.

Sobre a candidatura de Lídice da Mata a prefeito, em 2012: 

- Vejo Lídice forte como candidata a governadora da Bahia, em 2014, para fechar um ciclo: deputada, primeira prefeita da capital, primeira senadora da Bahia e primeira governadora da Bahia. A preocupação do PSB, vejo assim, é fazer vereadores na capital e no interior.

Um projeto para Salvador: 

- Não existe. Qual o eixo da cidade do Salvador! Seria a cultura e o turismo, mas, é preciso organizar esses pontos, o Rio Vermelho, Pelourinho, Liberdade. O Rio de Janeiro que, tem mais violência do ponto de vista clássico, conseguiu fazer isso com a Lapa boêmia e nós não conseguimos nada.

Sobre o papel da Câmara de Salvador: 

-Não tem voz. É estanque. Trabalha no varejo. Agora, todo mundo só fala na mobilidade urbana. Outro dia você escreveu um artigo bom no BJÁ falando nisso. Ninguém fala mais no drama dos barraqueiros das praias da cidade. O pessoal  tá migrando para o tráfego. Ninguém fala mais na Rocinha do Pelourinho. O Harlem, em NY, tem piscina pública há 78 anos. Temos pouquíssimas áreas de convivência na cidade, áreas de multiuso. Fala-se que vão reformar o São Miguel há anos. As questões da cidadania, pra valer, são pouco analisadas pela Câmara.

Sobre Salvador: 

- Sou otimista com o lugar que vivo. Estamos organizados com grupo de pessoas focado na liberdade. Como lidar com isso: com a liberdade religiosa, com acesso à educação e assim por diante. Creio que a partir de 2015 esse trabalho começa a emergir com mais força.

Sobre as discussões em torno do Carnaval que só duram 15 após a festa: - 
São 55 interesses conflitantes e 8 deles consolidados. Daí que não acontece nada. Mesmo decadente em alguns lugares é melhor ficar como está ainda que esse modelo seja de Os Internacionais, do século passado. Mas, avançamos em alguns e agora querem desfilar na sexta feira, à tarde.

Sobre os camarotes no Carnaval: 

- Não podemos ser contra os camarotes. O que tem que haver é uma integração e não exclusão.

Sobre o  Carnaval em si: 

- Minha preocupação é não matar a galinha de ouro. Não adianta a gente ficar querer copiar ninguém. Nós temos nossa própria identidade.

Sobre o discurso freqüente do racismo: 

- Esse discurso está desgastado, superado. Nosso discurso atual é da igualdade que envolve conceito mais amplo, mais abrangente. Nosso modelo inspirador é o de Mandela, de integração, de liberdade para todos.
Fonte: www.bahiaja.com.br 

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