sexta-feira, 25 de maio de 2012

"Defendo que o negro, ou qualquer cidadão pobre, quando entra no mundo do crime não entra porque quer, mas por conta do contexto social, político, econômico e cultural no qual está inserido. Temos que levar em conta a nossa história para melhor compreender essa desigualdade que existe na nossa sociedade, bem como os vários tipos de desigualdades que emergem neste contexto, principalmente a desigualdade racial" - Afirma Professor e antropólogo Renato Nascimento em entrevista exclusiva a Maria Preta

Prof. Renato Nascimento, antropólogo e professor da disciplina Cultura Brasileira no curso de comunicação social do Centro Universitário Estácio da Bahia Organizadores do Gongá Cultural: Prof. Renato Nascimento, Prof. Henrique Brito, Profa. Carmem Vasconcelos e Prof. Hamilton Filho (amigo e parceiro na realização deste e de outros eventos socioculturais) 
Makota Valdina e o
artista plastico Leo Santana


Maria Preta (MP): Como veio a ideia de fazer esse encontro e uma curiosidade por que esse nome (Gongá)?
Renato Nascimento(RN) : A ideia de realizar um evento que tratasse de questões acerca da diversidade étnica e cultural no contexto da comunicação social na Bahia surgiu a partir de algumas situações bastante corriqueiras. A primeira delas é a forma como a mídia insere o negro no campo da comunicação, seja no contexto jornalístico, seja no contexto da publicidade, da propaganda dentre outros meios. Não podemos admitir que em uma sociedade como a nossa, que tem uma das maiores populações negras do mundo, a televisão reserve apenas um espaço para mostrar o negro de forma extremamente irresponsável e, por vezes, preconceituosa e discriminadora. Refiro-me aos programas policialescos que estampam na sua programação o negro, num contexto de violência, imprimindo a ideia de que este é o lugar do negro, sem nenhuma contextualização histórica, social, política e econômica que justifique o fato de ser essa população a principal vítima da violência. Isso porque defendo que o negro, ou qualquer cidadão pobre, quando entra no mundo do crime não entra porque quer, mas por conta do contexto social, político, econômico e cultural no qual está inserido. Temos que levar em conta a nossa história para melhor compreender essa desigualdade que existe na nossa sociedade, bem como os vários tipos de desigualdades que emergem neste contexto, principalmente a desigualdade racial. Pois sabemos que quanto mais a pele do cidadão escurece mais difícil fica para este cidadão ocupar determinados espaços sociais. Nos veículos de comunicação, este espaço está muito bem definido e o Primeiro Gongá Cultural provocou uma discussão sobre a possibilidade de uma redefinição desses espaços, considerando as tão famosas políticas afirmativas que tomam conta do mundo moderno, mas que ainda têm muito o que avançar para, realmente, garantir igualdade entre os homens.

Publicitário João Silva com os estudantes participantes do I Gongá
A verdadeira história do passado não se pode mudar, ainda que oficialmente o Estado tenha tentado ocultar dos nossos livros de história, mas podemos, a partir dessas políticas afirmativas e de uma educação que politize nossos cidadãos, sejam negros ou não-negros, escrever uma nova história. 

Outro motivo que favoreceu a realização do Gongá foi o fato de que estamos recebendo nas universidades privadas, em particular na que eu ensino, o Centro universitário Estácio da Bahia, uma população cada vez maior de homens e mulheres negras, jovens e idosos. São cidadãos que não podem estudar em uma universidade pública, não porque sejam incapazes do ponto de vista intelectual, mas porque são estudantes, trabalhadores, mães e pais de famílias que somente agora estão tento a oportunidade de fazer um curso universitário. Temos muitos jovens, é claro, mas são, na sua maioria, filhos de homens e mulheres negras que realizam nos seus filhos o sonho de fazer uma faculdade. Portanto, a Ideia foi envolver a comunidade acadêmica, no contexto de uma discussão que provocasse, nesta comunidade, algumas reflexões sobre o lugar da diversidade étnica e cultural no teatro baiano, no jornalismo, na publicidade e na propagando, bem como a responsabilidade sócial dessas instituições. Mas optamos por começar com o tema “religião e educação”, trabalhando a questão da responsabilidade social dos terreiros de candomblés. Convidamos o Tata Anselmo, que desenvolve varias atividades educativas na sua comunidade, Trobogi, onde está localizado o Terreiro Mokambo, e Makota Malvina, que é uma das nossas maiores referências para falar sobre este assunto, dada a sua importância como conselheira da cultura do candomblé e da chamada cultura afro-baiana.

Gongá é um temo de origem Bantu e dá nome aos espaços sagrados dos terreiros. É altar onde estão as coisas sagradas. A ideia de batizar o evento com este nome foi do Professor Hamilton Filho, um dos organizadores do evento. O Gongá Cultural é um espaço do saber, do conhecimento humano.


MP - Vocês abordaram temas incômodos á sociedade (diversidade, responsabilidade social, comunicação responsável), principalmente num evento promovido por uma Faculdade Particular . Como você sentiu nos participantes o interesse pelos temas?
RN - Desde o início, percebemos o interesse da comunidade acadêmica e dos convidados (jornalistas, publicitários, expositores, artistas plásticos, representantes de agências de publicidade e propaganda, produtores de cinema, companhias de teatro, da Secretaria Municipal da Reparação, etc. Há, como você ressalta na sua pergunta, um conjunto de temas que incomoda a sociedade, mas se abordássemos questões que agradam a sociedade estaríamos reproduzindo o discurso do conformismo. Sempre digo que pensar é estar doente da alma e do corpo, parafraseando Fernando Pessoa e o filósofo brasileiro Rubem Alves. Quando é que a gente passa a pensar sobre um dado problema , seja social ou não? Do meu ponto de vista, é quando ele nos incomoda. Enquanto não me projeto para o contexto dessas realidades que estão dentro da sociedade, permitindo-me sentir a dor que o outro sente, ainda que não experimentando aquela realidade diretamente no meu cotidiano, não me preocuparei em mudar aquela realidade. Pelo envolvimento dos acadêmicos e dos convidados, percebi nestes uma vontade de expôr pensamentos que nem sempre é possível por falta de espaço na sociedade. Espero que os trabalhos de conclusão de curso explorem os temas trabalhados no evento.
A Estácio é uma instituição de ensino que não trabalha no seu projeto pedagógico a “podagem” de pensamento. Muito pelo contrário, pois considerando que suas unidades de ensino estão presentes em vários estados, valoriza a questão da diversidade étnica e cultural como um dos princípios da educação. O Curso de Comunicação Social da Estácio da Bahia já havia desenvolvido outros trabalhos focados nestas questões. Durante três anos desenvolvemos um projeto sobre a diversidade cultural da Feira de São Joaquim e sua importância para compreender a história política e econômica da Bahia.


MP - Como você sente no corpo acadêmico e na comunidade estudantil a questão das cotas?
RN - Falar de cotas na universidade ainda é uma questão que gera muitos conflitos de ideias, tanto do ponto de vista dos docentes como dos discentes. Mas uma coisa me chama sempre a atenção: quando para ouvir a posição dos estudantes, constato que eles não são contra as cotas, tal como afirmam, mas contra o uso político dessas ações afirmativas promovidas pelo Estado. De acordo com a fala de alguns alunos, o problema da cota estaria no fato do governo não se preocupar em oferecer aos filhos do estudante universitário cotista uma escola de qualidade que favorecesse a uma formação escolar que contribuísse, de fato, para a promoção da inclusão social. Particularmente sou a favor das cotas, mas sempre paro para ouvi-los e acho que o Gongá Cultural se constituirá num espaço para debates que nem sempre são possíveis no contexto de uma aula.


MP - O que pretendem fazer com os resultados advindos do I Gongá?
RN - O Gongá Cultural terá uma segunda edição na qual apresentaremos os resultados da primeira edição. Estamos produzido um DVD com registro de todos os debates, exposições, entrevistas com os convidados, além de uma revista sobre os resultados do evento. Como começamos com uma mesa redonda debatendo a responsabilidade social dos terreiros de candomblés, com Tata Anselmo e Makota Valvina, pretendemos apresentar este material no Terreiro Mokambo para a comunidade local (Trobogi). Estamos avaliando a possibilidade de fazermos a segunda edição do Gongá Cultural em outros espaços, fora da universidade, onde apresentaríamos os resultados da primeira edição e inserindo uma nova discussão, que deve versar sobre a questão gênero.


MP - Poderia nos apontar os pontos altos de cada mesa redonda? O que causou mais indignação, ou atiçou mais a plateia?
RN - No primeiro dia o debate versou sobre a questão da religiosidade, educação, cultura e responsabilidade social. Tata Anselmo e Makota Valdina provocaram algumas reflexões na plateia sobre a importância social dos terreiros de candomblé, da inclusão da história e cultura afro-baiana e indígena nos currículos escolares. Enfim, o debate contemplou o objetivo do Gongá, além de provocar outras discussões também interessantes. No segundo dia o debate sobre o teatro baiano, valorização da cultura local, do respeito à diversidade, da promoção do acesso à arte das camadas populares mais desfavorecidas, dos motivos e motivações que levam o público ao teatro, também provocou muitas indagações na comunidade acadêmica que, naquele contexto, compreendia o teatro como um espaço de aprendizagem tão importante quanto os livros e os espaços acadêmico. Neste contexto, discutimos o papel social do teatro engajado e da sua responsabilidade social. Na mesa redonda que discutiu o jornalismo baiano, ressaltando a sua importância como instituição que tem como responsabilidade principal informar a sociedade, formando opiniões, começou com uma excelente participação de Pola Ribeiro que, através de um vídeo destacou a importância de um campo para debate sobre questões tão delicadas como as sugeridas no Gongá. Dilton Santiago, editor do Jornal da Cidade Baixa, apresentou o conteúdo responsável do jornal, destacando a importância de um jornal que valoriza as particularidades locais de bairros, sejam sociais, políticas, econômicas, religiosas, etc. Maíse Xavier, do Estúdio Vila Velha, provocou o debate trazendo questões importantes sobre a questão da diversidade étnica e cultural no jornalismo produzido na Bahia. Outra questão importante foi a discussão sobre o lugar da diversidade regional no jornalismo baiano. Questão levantada durante os debates e que devemos discutir em outros momentos. Foi um momento para discutir a comunicação, a diversidade cultural e responsabilidade social do jornalismo produzido na Bahia. Na última mesa redonda reunimos João Silva, renomado publicitário baiano e presidente de uma das agencias de publicidade mais importante da Bahia, a Maria Comunicação, e Ilka Danusa, do Instituto Mídia Étnica, que, assim como a Maria Comunicação, desenvolve um trabalho de significativa relevância para a promoção da igualdade racial e valorização da diversidade étnica no campo da comunicação. O debate que era para terminar às 20:30 se estendeu até as 22:00 e seguiu pelos corredores da faculdade. Portanto, debater a Publicidade na Bahia, procurando compreender o lugar da diversidade neste campo é debate para uma semana ou mais. Mas o importante foi que, em cada cabeça, uma ideia foi plantada provocando várias inquietações. Esperamos que no próximo Gongá possamos dar continuidades aos debates e apresentar alguma soluções à sociedade baiana sobre problemas que tem raízes tão profundas.

MP - Fique à vontade para Considerações Finais.
RN - Não poderia deixar de ressaltar a importância de levar para dentro da universidade personalidades tão importantes para debater questões de tão grande relevância para a sociedade. Ter Tata Anselmo e Makota Valdina num mesmo espaço debatendo com jovens que estão entrando em um novo campo social, que é o do saber sistematizado e crítico, foi muito importante. Na sequencia ter o pessoal do teatro baiano, do jornalismo, da publicidade e da propaganda debatendo estas questões com tanta responsabilidade e compromisso, foi um presente para nós, organizadores do Gongá, e para toda comunidade acadêmica. Também posso deixar de fora os expositores, Leo Santana, Wilton Bernardo e os organizadores da Feira de Empreendedores Afrodescendentes (projeto desenvolvido pela SEMUR). Sem a estamparia de Goya Lopes, o cenário não teria o mesmo brilho. Muito generosa, emprestou-nos uma rica estamparia que dialogava perfeitamente com o tema do evento. Portanto, agradeço ao Dilton Santiago (Editor do Jornal da Cidade Baixa); à Mokota Valdina e Tata Anselmo; ao Instituto Mídia Etnica, na figura de Ilka Danusa; à Maria Comunicações, representada por seu presidente João Silva; ao jornalista Carlos Eduardo; ao Pola Ribeiro, que muito elegantemente enviou um vídeo justificando sua ausência e provocando o debate com observações bastante pertinentes sobre o tema do evento; à Maíse Xavier, do Estudio Vila Velha; ao Hamilton Filho, que além de organizar o evento participou da mesa redonda que discutiu o teatro baiano; à Cassia Vale, do Bando de Teatro Olodum; ao pessoal do Bagunçaço; ao pessoal do Centro Cultural Plataforma e ao Grupo de Teatro E2. Próximo ano tem mais Gongá.

Um comentário:

art disse...

FOI UM PRAZER PARTICIPAR DO GONGA CULTURAL E ESTÁ COM PESSOAS MARAVILHOSAS E PODER REVER MAKOTA VALDINA (SABEDORIA VIVA).
AGRADEÇO A TODOS Q CONFIARAM E APOIARAM DE ALGUMA FORMA MEU TRABALHO PARA ESTÁ NO PROMEIRO DE MUITOS "GONGÁS".
ASS: LEO SANTANA (ARTISTA PLASTICO)

http://www.facebook.com/africanarte

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